O sol se esparramou devagarzinho e eu acordei. Era domingo. Ainda demorei para saltar da cama. Eu só queria continuar cochilando, naquela preguiçazinha gostosa. Mas não resisti, estiquei-me e puxei a corda que abria a persiana. Aí sim, o astro rei sentiu-se livre para pratear as sombras que alimentaram meu sono. Saltei feito um ginasta e celebrei a vida.
Um dia, não terei forças para pular, para abrir janelas ou para perceber o holofote sideral que colore a alvorada. Um dia, meus guardas vão tremer e as paredes de minha fortaleza estarão cheias de fissuras. Sem apetite me contentarei com líquidos, porque meus moedores serão poucos. O ruço do alvorecer se alastrará para dentro de minha alma.
Estou com pressa de viver, mas não estou afobado. Como já começou o segundo tempo do jogo da minha vida, vejo que o cronômetro se aproxima perigosamente dos minutos finais.Tudo passa a ter uma urgência calma. Agora, aprecio um jantar vagaroso como um rito religioso; conversar sem precisar tratar sempre de coisas sérias; poder desligar o celular; contemplar as crianças com suas observações perspicazes.
Estou com pressa de viver, mas sem ter que alcançar metas. Depois que atravessei o tormentoso canal por onde viajam os desiludidos da meia-idade, abandonei antigos projetos onipotentes, cruzadas quixotescas e ânsias monárquicas.
Agora, contento-me em ouvir o canto melancólico do pequeno riacho que escorre no "Novo Caminhar", em Extrema, – tão insignificante que jamais será um Tejo, porém tão pacífico.
Quando corro e o sal do suor me queima os olhos, solto um aleluia impensado; quando uma frente fria traz chuva e posso ler na boquinha da noite, tenho a sensação de que experimento a ante sala do Paraíso.
Estou com pressa de viver, não quero só sobreviver. Por anos, corri atrás de pagar contas oriundas de projetos mirabolantes. Passei meus primeiros anos vocacionais acreditando que era importante ser aceito por pessoas que, naverdade, desdenhava. Lamento!
Calei quando devia contestar e falei quando devia calar. Ultimamente, recuso convites interessantes, para ficar mais próximo de minha família; desdenho a capacidade de mobilização dos que vendem a alma por aplausos; dou de ombros para os loquazes mercadejadores de esperança, que negociam até o nome de Deus.
Estou com pressa de absorver o máximo de beleza, sem culpas religiosas. Fiquei deslumbrando quando me dei conta que o Chico Buarque escreveu "*Construção*" fazendo rima com palavras proparoxítonas. Arrepiei-me quando ouvi o encafifado Gonzaguinha perguntar a opinião das crianças sobre a vida e cantar: "É bonita, é bonita". Há pouco, pelo Youtube, revivi minha adolescência, com o "Bridge Over Troubled Waters" dos inesquecíveis Simon e Garfunkel.
Reconheço que aportei tardiamente na cidade da beleza. Dou a mão à palmatória que me deixo narcotizar com o belo. Só cresce meu desejo de celebrar as cores de Almadóvar, o surrealismo de Salvador Dali, a metáfora literária de Lobo Antunes, o lirismo de Andrea Bocelli e o smooth jazz de Madeleine Peyroux.
Estou com pressa de saborear o eterno, para ouvir o inaudível, tocar o intangível e aprender o inaprendível. Ainda ecoa em minha alma o quase sussurro do saudoso Hans Burki, aconselhando-me: "My son, from Jesus weneed to learn the unlearnable!".
Percebo que uma força estranha me acalma e inquieta, desestrutura e dá nexo, consola e instiga. Sinto que "Alguém" me acompanha de longe. Por algum motivo, que jamais saberia explicar, sinto-me filho amado.
Minha alma tem sede de Deus; do Deus vivo. Vejo-me cidadão da terra e, ao mesmo tempo, com uma identidade, uma "Ricardice", destinada a viver para sempre.
Estou com muita pressa porque, a qualquer hora, o cordão de prata pode romper-se, a taça de ouro quebrar-se, o cântaro despedaçar-se junto à fonte e a roda partir-se junto ao poço.
Aí será tarde demais.
Soli Deo Gloria.
Ricardo Gondim
21.7.07
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2 comentários:
Querido Pastor Ricardo Gondim,
Posso procurar sua igreja quando chegar ao Rio, no ano que vem? Vou ver na net se acho o endereço e os horários de culto.
Soli deo Gloria
"A beleza de ser um eterno aprendíz"
A confortável e incrível sensação de ser aceita e amada,e não ter o peso de acertar e nem falar as coisas certas sempre.
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