25.8.07

Marketing: apostólico ou diabólico?

Em 1960, o professor de Harvard Theodore Levitt escreveu o artigo que se tornou um clássico da literatura de gestão. Em “A Miopia do Marketing”, ele sublinhou que “o primeiro negócio de qualquer negócio é continuar no negócio. Para tanto, é preciso gerar e manter consumidores”. Com raciocínio agudo, Levitt ressaltou os perigos do marketing de vista curta.

Lembrei-me do Levitt ao ler várias vezes nos últimos anos que o sucesso da igreja Renascer em Cristo deve-se ao suposto conhecimento mercadológico do fundador Estevam Hernandes. Líderes de denominações tradicionais sempre desdenharam da ascensão rápida do grupo. “Tudo isso é marketing”, diziam, como se as tais técnicas apostólicas tivessem sido engendradas no caldeirão do tinhoso.

Gostando ou não, é impossível apagar muitas coisas legais que (re)nasceram dentro dessa comunidade neopentecostal. Acostumados à música mais litúrgica, a galera evangélica pirou ao descobrir o que rolava na sede da igreja nas noites de segunda-feira. A avenida Lins de Vasconcelos ficava apinhada de gente em busca de curtir com liberdade o som de bandas legais em um ambiente sem a sisudez característica dos templos. Para muitos, era uma superoportunidade de levar um amigo não-cristão para ter contato com o evangelho de maneira criativa.

Financiada por empresários que lhes proporcionaram o acesso à mídia e a realização de megaeventos como o SOS da Vida, a cúpula da Renascer demorou algum tempo para descobrir que se Deus é fiel - como apregoa o indefectível dístico - a classe média não o é. Em termos de negócios, o público-alvo mudou e a estratégia também. Ladeira abaixo.

Seguindo um exemplo de sucesso no rebanho, os templos passaram a ter vários cultos diários e, claro, a ênfase na arrecadação foi aumentada. Como acontece em outras plagas (com trocadilho?), as doações dos fiéis seriam diretamente proporcionais às bênçãos que seriam recebidas. No entanto, as dívidas com locatários e fornecedores continuou crescendo no mesmo ritmo da expansão da igreja.

“Deus é dez”
Com presença cada vez maior na mídia, talvez o mais bem-sucedido estratagema apostólico tenha sido uma espécie de aplicação um tanto heterodoxa do “princípio João Batista”. Estevam diminuiu a exposição na mídia enquanto Sônia tornou-se a “cara” da igreja. Ela deixou o papel de coadjuvante, pisou no proscênio e desatou a apresentar programas, pregar, compor, cantar, dançar, ilustrar capa de CDs e ocupar qualquer lugar de destaque nas programações da igreja.

Intitulada “perua de Deus” em uma matéria antológica da Revista da Folha, Sônia Hernandes não seguiu o script previsível reservado às esposas de pastores. Essa conquista foi importante para as mulheres evangélicas. Trocou a oportunidade de ser regente do coral ou presidente da sociedade feminina pelos púlpitos. Em lugar das tradicionais festinhas com “um pratinho que cada uma traz de casa”, plantou os pés (apostólicos ou episcopais?) em lugares bem incomuns para a ala feminina.

Como geralmente acontece, o dinheiro que brota de uma hora para outra na conta corrente não vem acompanhado de, digamos, um certo apuro estético. Dona Sônia transformou-se instantaneamente em uma espécie de cobaia de cabeleireiros e estilistas, adotando em vários momentos o estilo “árvore de Natal” tão comum nas paulistanas aprendizes de madames. Sem contar que a moldura caricata ainda vinha acompanhada por frases esquisitas como “Deus é uma coisa quentinha”, para gáudio dos detratores da igreja.

Fora da terra natal (sem alusão aos penteados episcopais), a “porção Egito” ainda ocupava imensos espaços na mente do casal. Como é comum a todos os emergentes, Miami é uma espécie de Canaã. Daí provavelmente a inspiração do nome do grupo Renascer Praise, pronunciado em zilhões de lugares como “pleis”. A denominação tornou-se “internacional” e novos itens do repertório nouveau rich apareceram. Casamento da filhota estampado na Caras (dos fiéis?), helicóptero, leilão de terno Armani usado por Estevam (suor apostólico tem poder?), seguranças, carros caros para toda a família, entre outros lances.

Impossível deixar de lembrar alguns tropeços nessa escalada da fama. Muitos locatários de imóveis transformados em templos recebiam como pagamento no máximo um “Deus te abençoe”; o tal casório glamouroso foi pago com cheques nada pentecostais e um tristíssimo acidente com o helicóptero vitimou o piloto.

Sonho (e pesadelo) americano
“É por isso que os gentios não acreditam no que dizemos. Eles querem que lhes demonstremos uma doutrina, não através de nossas palavras, mas através de nossas obras. Mas quando nos vêem construir casas luxuosas, plantar jardins, construir saunas e comprar terrenos, não podem convencer-se de que estamos preparando nossa viagem para outra cidade” (são João Crisóstomo - séc. IV).

Desde a publicação de extensa reportagem na Época, muita coisa veio à tona. Um líder famoso ouvido pela revista foi achincalhado na TV e proibido de colocar seus pés teológicos na sede da igreja, sinalizando eficazmente a dissociação completa entre a teologia e as práticas da Renascer.

A hiperbatida tática de atribuir a suposta perseguição às hostes infernais mostrou mais uma vez a fragilidade, digamos, mercadológica da instituição. Abriu-se um fosso quase intransponível. Enquanto isso, líderes da igreja tatuaram “Renascer até morrer” para ilustrar a fidelidade. Até o momento, desconhecemos se algum deles tatuou “Jesus Cristo até morrer”.

Após a incrível história dos dólares escondidos na Bíblia, o casal Hernandes passou a usar uma tornozeleira nada apostólica em solo americano. Otimistas em relação ao julgamento, fiéis da igreja encenaram a “dança do siri” na porta do tribunal. A tática bem-humorada teve como fim impedir os repórteres de filmar o casal. Em um enredo recheado de episódios emblemáticos, não imaginavam o caráter ilustrativo do ato.

A dança baseada nos movimentos do crustáceo braquiúro traduz não apenas a ascensão e queda da Renascer, mas também a coreografia do rebanho nos últimos tempos. Movimentos simpáticos e graciosos, porém... sempre para o lado. Até quando?

meu texto de "reestréia" na revista Eclésia.

14 comentários:

Pablo Ramada disse...

clap! clap! clap!

Simplesmente isso, aplausos!

Anônimo disse...

Kdê o Sabadão Cult e os colaboradores, senti falta.

Sérgio Ricardo disse...

Perfeito!!! Sabedoria e discernimento não fazem mal, e quando bem utilizadas transforma num texto otimo. Pena que os lideres da Renascer não usaram disto..Ou talvez usaram demais..

Anônimo disse...

Yes, yes, yes

Realmente merece aplausos e mais aplausos !!!!!!

Levi Nauter disse...

Infelizmente cada vez mais considero a igreja-instituição/denominação irrelevante para o mundo. Acho que em tempos pós-modernos é preciso um novo cristianismo, sem instituição, sem regras.

Levi Nauter

Anônimo disse...

Achei muito oportuna a materia. Tem muitos anos que sai do Brasil e estou um pouco distante da realidade evangelica do pais. Todavia, tenho acompanhado pela net os acontecimentos relatados no texto. Estive no Vaticano este ano e quando sai da Basilica de sao Pedro, pensei: Nao consigo ver o carpinteiro de Nazare, o homem de dores, se sentindo bem num lugar desses. Imagino que o mesmo serve para tantas igrejas evangelicas brasileiras, que abracaram Mamom e se esqueceram do Deus conosco, servo sofredor.

Anônimo disse...

Muito bom, Sergio.

Anônimo disse...

Estou impressionado com as palavras ditas, o texto é fantástico.

Concordo em grau, gênero e números, mas quero perguntar;

O que faremos? Vamos criticar, aplaudir as decisões judiciais somente?

Não devemos esquecer que povo dividido não prospera. Ou será que este povo não faz parte do Rol dos chamados evangélicos?

Não sou membro da Renascer, mas tenho uma certeza, todos eles precisam das nossas orações.
Você não concorda?

Pavarini disse...

Raramente ocupo esse espaço reservado p/ os comentários de vcs. No entanto, creio que cabe + um "mea culpa" nosso.

Apesar de setores da igreja ainda culparem a mídia (vejam os vídeos da AD Madureira que estou postando hj), o caso só foi tratado c/ seriedade pela mídia evangélica após a exposição na Época, Veja e outros veículos.

Qtos casos parecidos poderiam ser evitados se a mídia cristão fosse mais isenta e combativa? O "princípio Ricupero" ("só mostramos o que é bom; o que é ruim a gente esconde") é uma péssima diretriz tanto p/ o jornalismo como p/ o cristianismo.

Qtas pessoas desiludidas e machucadas teriam sido preservadas desses dissabores?

Sim, Almir. Todos eles (povo e líderes da Renascer) devem ser alvo de nossas orações. A mídia cristã também. :)

Graças a Deus pela existência dos blogs, disseminando c/ rapidez informações que ainda não são encontradas nos veículos impressos. Usem e abusem do filtro p/ separar o joio do trigo. :)

Big abraço a todos... e perdoem-me a "invasão".

Luis Souza disse...

Infelizmente qualquer perseguição a uma "igreja cristã", acaba sempre sendo revertido em proveito próprio. Vou até corrigir, pois o caso da LBV também foi bem exposto na mídia e nem por isso acabou o império do Paiva Neto. Qualquer ataque da mídia a um movimento religioso sempre pode ser revertido em proveito próprio, basta os líderes marqueteiros do mercado (Edir Macedo que o diga... Malafaia que está no mesmo caminho e já profetizando o ataque da mídia à igreja brasileira, pois deve ter coisa podre para aparecer em breve...) perveterem o testemunho dos mártires da igreja e usarem a tática de Gamaliel que irão se sair bem mais uma vez...

José Herculano disse...

Fico imaginando se Debalde tememos a Deus. Tantos líderes, métodos, igrejas, etc. Debalde temem a Deus?
Deus tenha misericórdia de nós, mudem nossos corações, e que encontre em nós os verdadeiros adoradores que Tem buscado.
Maranata!
José Herculano

Wladimy de Morais Farias disse...

Oi Sérgio, muito bom. Pena que estás ficando muito intelectual,cara. Tive de recorrer duas ou três vezes ao Aurélio:(indefectível dístico;gáudio dos detratores ) Mas, tudo bem, afinal estamos num país muito alfabetizado. Gostaria apenas de dizer que o meu sentimento maior ao ler este artigo foi o de desejar uma grande perseguição a esta nossa "igreja". Perseguição do Estado mesmo. Só assim poderiamos viver um pouco de cristinismo autêntico, não esta porcaria que estamos vendo por aí.

Anônimo disse...

Olá, Sérginho!!!

Gostei do seu texto... Gostaria de saber se não teria problema de eu postá-lo no meu site www.asemaninha.org, aliás, já o postei, se você não gostar, eu tiro...
Gostei tanto que me fez lembrar dos primeiros dias que fui na Renascer, naquelas segundas-feiras, dos tempos em que o apóstolo era um simples pastor.
Parabéns outra vez pelo texto!

Fernando

Anônimo disse...

Gostei desse comentario: "Na epoca que o apostolo era um simples pastor". Que coisa maravilhosa essa simplicidade evangelica, onde Deus cresce e a gente fica no lugar que nos convem muito bem: o lugar de servos! Eu sou o cara anonimo que falou do Vaticano e companhia.

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