11.9.07

Graças a Deus – e não a Darwin (3)

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96 estabelece que os alunos devem criticar objetivamente as teorias científicas como construtos humanos de representação aproximada da realidade, e que essas teorias estão sujeitas a revisões e até descarte, e que o ensino médio tem entre suas finalidades habilitar o educando a ser capaz de continuar aprendendo, a ter autonomia intelectual e pensamento crítico.

Fui professor de História num colégio adventista em Florianópolis e hoje sou editor na Casa Publicadora Brasileira (editora adventista), e posso garantir que tanto nas aulas quanto em nossos livros didáticos cumprimos o que recomenda a LDB, uma vez que estimulamos o pensamento crítico dos alunos ao apresentar-lhes os dois modelos das origens e permitir que façam comparações e identifiquem as insuficiências epistêmicas do darwinismo. A rede educacional adventista cultiva altos índices de aprovação de seus alunos em vestibulares, o que significa que esses estudantes conhecem suficientemente as idéias evolucionistas.

Segundo a Dra. Marcia Oliveira de Paula, professora de Biologia no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), "a teoria da evolução deve ser ensinada nas escolas, já que essa teoria é aceita pela comunidade científica atualmente para explicar as origens. Porém, o aluno deve ser esclarecido sobre as bases da teoria e sobre suas limitações. O estudante deve conhecer a teoria da evolução, mesmo que decida não se posicionar a favor dela".

As escolas adventistas fazem isso. Mas a revista Veja, em sua reportagem "Graças a Deus – e não a Darwin", de Marcos Todeschini e Camila Antunes (edição de 12/09/07), apesar de reconhecer que "algumas das escolas adventistas já aparecem entre as melhores do país nos rankings de ensino do MEC", sugere que há certo obscurantismo por parte do sistema educacional adventista, pelo simples fato de ali se ensinar de acordo com a LDB!

A Dra. Marcia garante que seus alunos aprendem todo o conteúdo de evolução como em qualquer outra universidade. "Nas aulas de Evolução eu não ensino criacionismo. Ensino evolução de forma crítica. Ou seja, discutimos os pontos fortes e fracos da teoria. Os alunos do Curso de Ciências Biológicas do Unasp têm, além da disciplina Evolução, duas disciplinas denominadas Ciência e Religião e Ciência das Origens (2h semanais cada).

Nessas disciplinas se discute a interação entre ciência e religião, sendo feita uma comparação crítica entre as especulações da ciência sobre as origens com as idéias da visão de mundo teísta cristã." Ela diz ainda que "temos questionamento de ambas as partes, tanto de alunos que se consideram criacionistas como dos que se consideram evolucionistas. Por outro lado, há espaço nas aulas de Ciências das Origens para que eles possam também questionar o criacionismo".

Mesmo assim, numa evidente demonstração de desconhecimento de causa, os autores do texto da Veja afirmam que "os estudantes são apresentados, sem nenhuma espécie de visão crítica, à explicação criacionista do mundo, segundo a qual homens e animais foram criados por Deus, tal como está na Bíblia". E sentenciam: "Esse, sim, é um evidente atraso."

Veja reconhece também que "são 318 dessas escolas [adventistas] no país, com 37% mais alunos do que dez anos atrás [em contraste com a estagnação da rede educacional católica]. Elas sobressaem em meio a milhares de outras não só porque proliferam rapidamente, mas também por seu bom nível acadêmico".

Segundo especialistas consultados pela revista, "um dos fatores que impulsionam essas e as outras escolas religiosas que dão certo no Brasil são valores que os pais acreditam ver nelas reunidos. É algo difícil de mensurar, mas foi bem mapeado por uma nova pesquisa que ouviu 15.000 pais de estudantes brasileiros de colégios religiosos.

Ao justificarem sua escolha por uma escola confessional, eles foram específicos: acham que esses colégios são mais capazes de difundir valores 'éticos', 'morais' e 'cristãos' (mesmo que eles próprios não sejam seguidores de nenhum credo)". Tanto é que, segundo a reportagem, 70% dos estudantes matriculados em escolas adventistas não seguem a religião.

Veja não perde a chance de incensar Darwin, ao afirmar que "historicamente, o criacionismo vigorou no meio acadêmico até o século XIX, quando foi superado pela teoria da evolução de Charles Darwin, que pela primeira vez esclareceu a origem dos seres vivos com base em evidências científicas".

A afirmação é exageradamente triunfalista e, em seu blog Desafiando a Nomenklatura Científica, o coordenador do Núcleo Brasileiro de Design Inteligente, Enézio de Almeida Filho, tece o seguinte comentário: "Apesar de a teoria da evolução de Darwin ser aceita a priori entre os cientistas para explicação da origem e evolução da vida, ela não é assim uma 'Brastemp' cientificamente. Darwin não esclareceu a contento 'a origem dos seres vivos com base em evidências científicas', tanto é que discutimos desde 1859 até hoje a vera causa do mecanismo evolutivo. [Dizem que a evolução é um fato], mas não sabemos até hoje o que provoca esse processo evolutivo."

Todeschini e Antunes nunca leram o Origem das Espécies. Se tivessem lido, saberiam que Darwin com as suas múltiplas especulações transformistas lidou mais com variações, tanto que o livro mereceria melhor o título de Origem das Variações. Segundo Ernst Mayr, o último papa evolucionista, o livro é muito confuso e não explica o que se propôs: a origem das espécies."

A matéria de Veja também diz que "em escolas de estados mais conservadores nos Estados Unidos, ainda hoje o criacionismo predomina – e Darwin é banido do currículo". Mas Enézio, que é mestrando em História da Ciência pela PUC e também fez pós-graduação nos Estados Unidos, contesta: "Todeschini e Antunes generalizaram demais, e não identificaram as escolas e nem tampouco os 'estados conservadores'. Darwin continua sendo ensinado nas escolas americanas até nesses estados 'mais conservadores' por força de decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no fim da década de 1980."

Veja perdeu a chance de publicar uma reportagem neutra e puramente informativa, nos moldes do bom jornalismo. Então, fica pra próxima.

texto do jornalista e blogueiro Michelson Borges.

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