19.1.08

Gracias a la vida

Há pouco fui arrebatado numa viagem fantástica! Minha experiência aconteceu logo depois que me acomodei na poltrona do teatro onde assistiria a um show inesquecível.

Reconheço que não estava preparado para as torrente de emoções que Maria Rita e Mercedes Sosa me proporcionariam naquela noite. Maria Rita começou e já foi deslumbrante, mas ela só preparava o caminho da maravilhosa estrela argentina.

Mercedes Sosa, com seu notório timbre era a mesma que nos inspirara nos anos rebeldes da década de 60. Para uma platéia de coroas como eu, ela, mesmo alquebrada pelos anos, voltava a deslumbrar com antigos sucessos - autênticos hinos latino-americanos.

No momento em que a musa de minha adolescência engatou "Gracias a la Vida", não resisti. Meus olhos se inudaram de lágrimas - tentei acompanhar a velha índia enquanto chorava desavergonhadamente. Meu pranto foi feliz! Naquele ambiente profano, construí minha catedral para prestar culto pelo fôlego que me animava a existência; com ela reverenciei o milagre de simplesmente existir.

Celebrei a vida sem culpas religiosas, sem temer que uma gilhotina despencasse, a qualquer momento, sobre meu pescoço - eu havia perdido o medo de ser castigado por pequenos deslizes.

Celebrei a vida ao lado de pecadores que nunca imaginariam que um pastor protestante (também pecador) se irmanasse a eles em gratidão pelos olhos que distinguem o preto do branco, pelos pés cansados que andam por charcos e praias, pela capacidade de soletrar o abecedário e pela gratuidade de saber-me vivo. Cantei e meu canto misturou-se ao de milhares de irmãos e irmãs.

Celebrei a vida sem ritos religiosos e, por incrível que pareça, senti paz. Eu era feliz por lembrar-me, naquele instante, do fundo dos olhos de quem amo, do endereço de meus bons amigos e do cheiro de quem tanto admiro (como os cearenses gostam de "dar cheiros"!).

Mercedes Sosa cantou e eu me soltei, assobiei e aplaudi agradecendo a Deus pela graça de ser conduzido pela música até a fronteira da eternidade. Com a velha argentina aprendi um pouco mais sobre o grande projeto divino de nos tirar da mecânica do ativismo e nos brindar, nem que temporariamente, com um gostinho do Paraíso.

Naquela noite, à semelhança de Saulo de Tarso, vi-me arrebatado (não sei se no corpo ou no espírito), até um certo nível do céu.

Como ele, também não posso relatar tudo o que vi.

Soli Deo Gloria.

O texto do meu amigo Ricardo Gondim é um pouco antigo, mas ilustra c/ propriedade o sentimento ante a latinidad desta série de posts.

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