Basta o teu coração
feito à viva imagem de teu demônio ou de teu deus.
Um coração apenas, como um crisol com brasas para a
idolatria.
Nada mais do que um indefeso coração enamorado.
Deixe-o na intempérie,
onde a erva entoa suas endechas de ama louca
e não possa dormir,
onde o vento e a chuva deixem cair seu látego em um golpe
de azul calafrio
sem convertê-lo em mármore e sem parti-lo em dois,
onde a escuridão abra suas tocas a todas as matilhas
e não consiga esquecer.
Jogue-o depois do alto de seu amor ao fervedouro da
bruma.
Ponha-o logo a secar no surdo regaço da pedra,
e escave, escave-o com uma agulha fria até arrancar o
último grão de esperança.
Deixe que o sufoquem as febres e a urtiga,
que o sacuda o trote ritual da alimária,
que o envolva a injúria feita com os retalhos de suas
antigas glórias.
Ou quando um dia um ano o aprisione com as garras de um século,
antes que seja tarde,
antes que se converta em múmia deslumbrante,
abra de par em par e uma por todas as suas feridas:
que as exiba ao sol da piedade, tal qual o mendigo,
que expõe seu delírio no deserto,
até que somente o eco de um nome cresça nele com a fúria
da fome:
uma incessante colherada contra o prato vazio.
Se sobrevive ainda,
se chegou até aqui feito à viva imagem de teu
demônio ou de teu deus;
eis aí um talismã mais inflexível que a lei,
mais forte que as armas e o mar do inimigo.
Guarde-o na vigília do teu peito como um sentinela.
Mas vele-o.
Pode crescer em ti como a mordedura da lepra;
pode ser teu verdugo.
O monstro inocente, o insaciável comensal da tua morte.
poema da argentina Olga Orozco
19.1.08
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