Tenho 55 anos. Nasci em Chicago, cresci em Nova York e vivo em Washington. Sou cientista político. Sou casado e tenho três filhos, um na universidade e dois no colégio. Ideologia? Creio na democracia. Sou filho de protestantes, mas não pratico nenhuma religião. A entrevista:
La Vanguardia - Continuamos no fim da história?
Francis Fukuyama - Você não me entendeu bem.
LV - O que quis dizer?
Fukuyama - Que a idéia de que o destino final da história era o socialismo naufragava com a queda do Muro. E portanto o verdadeiro terminal era o liberalismo democrático.
LV - A China e a Rússia sabem disso?
Fukuyama - Os governantes chineses sabem que estão sobre um vulcão social e acabarão por dar o voto à população. E se os governantes russos se corromperem a geração seguinte promoverá a regeneração da vida democrática.
LV - E Chávez?
Fukuyama - Os venezuelanos não querem ser outra Cuba: estão freando essa história de perpetuar-se no poder.
LV - O senhor escolheu apoiar a guerra do Iraque. Está arrependido?
Fukuyama - Eu apoiei derrubar o sanguinário ditador Saddam, e não me envergonho, mas sim lamento a incompetência para administrar a ocupação. Bush não soube preparar um futuro melhor para os iraquianos. Eu logo vi isso e denunciei tamanha incompetência.
LV - Zapatero retirou as tropas espanholas.
Fukuyama - Depois de um atentado como o 11-M, talvez não tenha sido a melhor decisão... Mas desculpe-me, por favor; prefiro não me intrometer em política interna espanhola...
LV - Então diga-me o que acha de Obama, que também promete retirar as tropas.
Fukuyama - Gosto de Obama. Não é um ressentido, não é um rancoroso, não está com raiva, é um tipo racional, centrado, que não polariza posições, e gosto disso.
LV - Acredita que poderia agradar mais ao eleitorado que Hillary Clinton?
Fukuyama - Obama não está ligado às dinastias políticas (Bush, Clinton...), e isso joga a seu favor. Hillary esteve em lutas de poder polarizadas demais, o que produz rejeição. Ela falhou naquela tentativa prepotente de reforma do sistema de saúde...
LV - Em que Fukuyama falhou?
Fukuyama - Confiei no bom julgamento dos EUA para usar seu poder no mundo com uma boa gestão dos direitos humanos, a democracia, o freio ao terrorismo... E os EUA demonstraram incompetência.
LV - A democracia pode ser imposta pela força?
Fukuyama - Ou uma sociedade a abraça voluntariamente ou não há como. Mas a força ajudou a levá-la aos alemães, aos japoneses...
LV - Não seria porque estavam fartos de autoritarismo e guerra?
Fukuyama - Bem, mas eu não rejeitaria absolutamente a força como alavanca para remover situações injustas, como nos Bálcãs...
LV - E por isso Bush quer atacar o Irã?
Fukuyama - Aprovo a política do bastão e da cenoura, mas talvez Bush insista demais no bastão e recorra pouco à cenoura.
LV - Foi com cenouras à Palestina?
Fukuyama - Mas tarde, porque agora o Hamas está em Gaza e tudo é mais difícil...
LV - Qual é sua principal crítica a Bush?
Fukuyama - Persistir no unilateralismo, não se esmerar para que os países vejam os EUA como parceiro legítimo, não conseguir maior cooperação internacional.
LV - O que resta do projeto para o novo século americano, que o senhor promoveu?
Fukuyama - Limitei-me a assinar algumas cartas, mas fui me distanciando com minhas críticas às políticas unilaterais de Bush. Só Giuliani persiste naquele neoconservadorismo: não lamenta nada, é um super-Bush!
LV - Que se fortaleceu depois do 11 de Setembro... Naquele dia, como seu país foi vulnerável!
Fukuyama - Bin Laden traçou um plano ambicioso, pegou o país desprevenido... e teve muita sorte. Hoje não seria tão fácil.
LV - O que os EUA deveriam fazer para ter melhor imagem no mundo islâmico?
Fukuyama - Trata-se de que esses países gozem de horizontes econômicos e sociais mais favoráveis. Mas agora o perigo é a deterioração do Paquistão, porque... possui ogivas nucleares.
LV - O que o senhor sugere fazer?
Fukuyama - Promover eleições limpas que indiquem um governo com plena legitimidade.
LV - Hoje o senhor é assessor para bioética...
Fukuyama - Sim, é conveniente controlarmos os excessos da biotecnologia, que acarreta perigos...
LV - O que é mais perigoso para o ser humano, a religião ou a ciência?
Fukuyama - O ser humano.
trecho da entrevista de Francis Fukuyama ao jornal espanhol La Vanguardia.
20.1.08
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