20.1.08

O maior perigo é o ser humano

Tenho 55 anos. Nasci em Chicago, cresci em Nova York e vivo em Washington. Sou cientista político. Sou casado e tenho três filhos, um na universidade e dois no colégio. Ideologia? Creio na democracia. Sou filho de protestantes, mas não pratico nenhuma religião. A entrevista:

La Vanguardia - Continuamos no fim da história?

Francis Fukuyama - Você não me entendeu bem.

LV - O que quis dizer?

Fukuyama - Que a idéia de que o destino final da história era o socialismo naufragava com a queda do Muro. E portanto o verdadeiro terminal era o liberalismo democrático.

LV - A China e a Rússia sabem disso?

Fukuyama - Os governantes chineses sabem que estão sobre um vulcão social e acabarão por dar o voto à população. E se os governantes russos se corromperem a geração seguinte promoverá a regeneração da vida democrática.

LV - E Chávez?

Fukuyama - Os venezuelanos não querem ser outra Cuba: estão freando essa história de perpetuar-se no poder.

LV - O senhor escolheu apoiar a guerra do Iraque. Está arrependido?

Fukuyama - Eu apoiei derrubar o sanguinário ditador Saddam, e não me envergonho, mas sim lamento a incompetência para administrar a ocupação. Bush não soube preparar um futuro melhor para os iraquianos. Eu logo vi isso e denunciei tamanha incompetência.

LV - Zapatero retirou as tropas espanholas.

Fukuyama - Depois de um atentado como o 11-M, talvez não tenha sido a melhor decisão... Mas desculpe-me, por favor; prefiro não me intrometer em política interna espanhola...

LV - Então diga-me o que acha de Obama, que também promete retirar as tropas.

Fukuyama - Gosto de Obama. Não é um ressentido, não é um rancoroso, não está com raiva, é um tipo racional, centrado, que não polariza posições, e gosto disso.

LV - Acredita que poderia agradar mais ao eleitorado que Hillary Clinton?

Fukuyama - Obama não está ligado às dinastias políticas (Bush, Clinton...), e isso joga a seu favor. Hillary esteve em lutas de poder polarizadas demais, o que produz rejeição. Ela falhou naquela tentativa prepotente de reforma do sistema de saúde...

LV - Em que Fukuyama falhou?

Fukuyama - Confiei no bom julgamento dos EUA para usar seu poder no mundo com uma boa gestão dos direitos humanos, a democracia, o freio ao terrorismo... E os EUA demonstraram incompetência.

LV - A democracia pode ser imposta pela força?

Fukuyama - Ou uma sociedade a abraça voluntariamente ou não há como. Mas a força ajudou a levá-la aos alemães, aos japoneses...

LV - Não seria porque estavam fartos de autoritarismo e guerra?

Fukuyama - Bem, mas eu não rejeitaria absolutamente a força como alavanca para remover situações injustas, como nos Bálcãs...

LV - E por isso Bush quer atacar o Irã?

Fukuyama - Aprovo a política do bastão e da cenoura, mas talvez Bush insista demais no bastão e recorra pouco à cenoura.

LV - Foi com cenouras à Palestina?

Fukuyama - Mas tarde, porque agora o Hamas está em Gaza e tudo é mais difícil...

LV - Qual é sua principal crítica a Bush?

Fukuyama - Persistir no unilateralismo, não se esmerar para que os países vejam os EUA como parceiro legítimo, não conseguir maior cooperação internacional.

LV - O que resta do projeto para o novo século americano, que o senhor promoveu?

Fukuyama - Limitei-me a assinar algumas cartas, mas fui me distanciando com minhas críticas às políticas unilaterais de Bush. Só Giuliani persiste naquele neoconservadorismo: não lamenta nada, é um super-Bush!

LV - Que se fortaleceu depois do 11 de Setembro... Naquele dia, como seu país foi vulnerável!

Fukuyama - Bin Laden traçou um plano ambicioso, pegou o país desprevenido... e teve muita sorte. Hoje não seria tão fácil.

LV - O que os EUA deveriam fazer para ter melhor imagem no mundo islâmico?

Fukuyama - Trata-se de que esses países gozem de horizontes econômicos e sociais mais favoráveis. Mas agora o perigo é a deterioração do Paquistão, porque... possui ogivas nucleares.

LV - O que o senhor sugere fazer?

Fukuyama - Promover eleições limpas que indiquem um governo com plena legitimidade.

LV - Hoje o senhor é assessor para bioética...

Fukuyama - Sim, é conveniente controlarmos os excessos da biotecnologia, que acarreta perigos...

LV - O que é mais perigoso para o ser humano, a religião ou a ciência?

Fukuyama - O ser humano.

trecho da entrevista de Francis Fukuyama ao jornal espanhol La Vanguardia.

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