Acordei com a sensação de que já me comportei como aquela menina que, sem cautela, colocou todos os ovos em uma só cesta antes de atravessar o bosque. Quando tropeçou, perdeu tudo.
Minha felicidade já se concentrou num único chafariz, numa única musa, numa única festa. Quando a festa acabou, o chafariz secou e a musa morreu, já não sabia o que fazer.
Tomo a grave decisão de espalhar os ovos da minha felicidade em várias cestas. Quando sentir que sou acossado pelos demônios de carne e osso que perambulam pelos bastidores das catedrais, vou sair para me arejar em outros lugares.
Estou decidido, vou concentrar, inclusive, os ouvidos em outros sons. Vou tratar as interpelações dos fariseus como guinchos diabólicos. Seus argumentos, pretensamente ortodoxos, não me hipnotizarão e nem me intimidarão. Quero ensurdecer os ouvidos para argumentos,
alegadamente, verdadeiros. Meu Deus, como são inclementes! Tomarei outros caminhos para lambuzar-me de doçura, fartar-me de melodias, inebriar-me de belezas.
Já não me abalo com a opinião rancorosa de quem é mal resolvida no amor. Mas não tenho pena de quem tenta projetar em mim as suas amarguras. Quando notar que posso ferir os dedos com palavras pontiagudas, voltarei meu coração para outra literatura.
Tomo a grave decisão de espalhar os ovos da minha felicidade em várias cestas. Estou disposto a vulnerar a alma diante dos gestos largos e despretensiosos dos que me querem bem, mesmo conhecendo que não passo de um poço de contradições. Não, não permitirei que os afetos de quem me ama se emporcalhem com as animosidades de quem não me conhece e despreza.
Tomo a grave decisão de espalhar os ovos da minha felicidade em várias cestas. Assumo meus versos brejeiros, a minha teologia chinfrim, a minha tristeza dramatizada. E quando perceber risos sarcásticos e escarnecedores, responderei com um: - E daí?
Tomo a grave decisão de espalhar os ovos da minha felicidade em várias cestas. Saio do armário teológico para dizer o que penso porque minha consciência não precisa de aprovações eclesiásticas. Caso os guardiões do templo se incomodem com o que penso, vou esnobar com um “tough luck!”.
Minha náusea com os defensores da reta doutrina protestante se manifestará com desdém. Como não me impressiono com a exatidão lógica de seus raciocínios; como só constato neles uma inflexível, draconiana, preferência com a exatidão doutrinária às custas do amor, nenhum jamais obterá qualquer resposta minha. Não entrarei em qualquer debate com narcisistas adoecidos pela religião.
Tomo a grave decisão de espalhar os ovos da minha felicidade em várias cestas. Vou colorir a minha felicidade com a calma de um pôr-do-sol, com a singeleza de uma neblina, com a delicadeza de um riacho.
Assim, cederei os primeiros lugares da minha mesa para os pecadores e lembrar que as prostitutas precederão os sacerdotes no Reino; vou descruzar os braços e acolher os que choram e lembrar as Bem-aventuranças; vou desabotoar a camisa e brincar com os meninos que embaraçam os meus raros cabelos e lembrar que lá só entra quem se fizer como um deles.
Soli Deo Gloria.
Ricardo Gondim
5.1.08
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