Tenho escrito aqui, com certa freqüência, às vezes em tom de quase galhofa, sobre o capeta, não é? Para não criar divisões religiosas, trato do rabudo na esfera da linguagem. Digo que ele nos impede de distinguir o mal do bem, o vicio da virtude. Embaralha tudo e, se for preciso, leva o indivíduo a tomar uma coisa pelo seu oposto, como em 1984, de George Orwell. Outra arte do chifrudo é perverter a essência das coisas, amesquinhando-as, rebaixando-as. Por exemplo: recorrer à Justiça é do bem; a litigância de má-fé é do capeta; apelar a um tribunal, no estado de direito, é uma prerrogativa de todos; usar, no entanto, os tribunais como mero instrumento de perturbação do adversário ou inimigo já é artimanha do coisa ruim.
Lula foi indagado a respeito da cascata de ações — 56!!! — que fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) movem contra a Folha. Apedeutakoba não teve dúvida, fazendo-se de acaciano, mas sendo profundamente luliano: “A liberdade de imprensa pressupõe a imprensa escrever o que quiser, mas pressupõe também que a pessoa que se sinta atingida vá a Justiça para provar a sua inocência. Não pode ter liberdade de imprensa se apenas um lado achar que está certo". Achou que era pouco e resolveu ser mais claro: “O dia em que a Folha de S. Paulo se sentir atingida pela Igreja Universal ela vai processar a Igreja Universal. O dia em que a Igreja Universal se sente atingida pela Folha, vai processar a Folha. E assim a democracia vai se consolidando no Brasil".
Afirmei no texto de ontem sobre esse assunto que as ações da Universal contra a Folha e as agressões rasteiras que a VEJA vem sofrendo estão amarradas num mesmo espírito e são expressões de um mesmo movimento: um cerco à imprensa. Se suas pegadas forem perseguidas, chega-se fácil a uma visão de mundo que tem uma matriz: o petismo. É ali que está consolidado o ânimo de “enfrentar” a mídia considerada “inimiga”, “reacionária”, “golpista”. Dada a fala de Lula, é inescapável concluir que, no fundo, ele acha que a Folha fez por merecer. O que ele diz sobre o direito de recorrer à Justiça é o exemplo mais acabado de um bem pervertido. Ninguém questiona o direito de a tal seita recorrer aos tribunais; o que se está caracterizando é a manobra intimidatória.
Como é mesmo? Cría cuervos y te sacarán los ojos. Vocês se lembram? Esse mesmo expediente já foi usado contra Diogo Mainardi: indivíduos que nem sequer tinham sido citados em colunas suas, obedecendo a uma orientação, fizeram com ele rigorosamente o que se vê aí: ações individuais em cascata. Não se escreveu uma linha a respeito. Desconfio até que alguns dos que percebem agora o absurdo da situação talvez se divertissem um tanto à época, não é mesmo? A exemplo de Lula, é possível que tenham pensado: “Esse Diogo mereceu”.
Não faz tempo, relembrei aqui o texto do teólogo protestante Martin Niemöller (1892-1984) sobre o nazismo:“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.”
Pois é. Perversão da lei que pega Diogo também pode pegar Folha de S. Paulo e o resto da imprensa. Quando ele foi vítima, nós gritamos; o resto silenciou. Agora é a vez da Folha. E nós continuamos a gritar.Em nome da liberdade de imprensa!
No combate à escória que pretende arrastar para a sua imundice a reputação de pessoas de bem.
fonte: blog do Reinaldo Azevedo
20.2.08
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário