1.3.08

Estão juntos? Mas eles viviam brigando

O amor é a reviravolta dentro da diferença.

É fácil descobrir quem pode se apaixonar. Basta que os dois, que mal se conhecem, estejam brigando.

Ambos largam a conversa do grande grupo para os braços discordarem com maior liberdade. Entram em transe no meio da mesa. Já discutem com ardor, teimam por detalhes, acalentam seminários paralelos e sem fim. A princípio, identifica-se uma dissidência atroz, uma dessemelhança furiosa. Pelo primeiro encontro, a projeção é que nunca serão amigos. Demonstram um ódio mútuo pelas opiniões emitidas. Falta apenas sair no tapa.

Essas figuras antagônicas têm grandes chances de se casarem a partir daquele momento. Atraídas por tudo o que não entendem um no outro.

São como o mar: violentos na margem, com repuxo e pancadas ininterruptas das ondas, e tranqüilos após ultrapassar a linha da arrebentação.

Desencadeamos uma relação não pela simpatia superficial, pela vizinhança óbvia das idéias, pelas afinidades visíveis, mas pelo desconhecido. É o desconhecido que nos chama. Algo que ele disse e não se concorda, mas é intrigante - estimula a desejar entender. Algo que ela disse e é poético, até incompreensível - reivindica um quarto escuro e uma música para pensar melhor.

O desconhecido irrita no começo, pede espaço, tempo e intimidade. Provoca o espanto e o cansaço intelectual. Temos que caminhar mais rápido para alcançar. Passar pela nossa moralidade de madrugada na ponta dos pés, sem acordá-la.

Não nos apaixonamos por aquilo que sabíamos, mas por aquilo que não sabemos e descobrimos que precisamos. Descobrimos subitamente que não podemos mais viver sem. As declarações "ele é insuportável"/"ela é insuportável" devem ser traduzidas imediatamente em "ele me envolve"/"ela me envolve".

O par se defenderá nos primeiros contatos, numa queda-de-braço silenciosa e inflexível. Há um exagero proposital na armadura, no combate. Nenhum dos dois aceitará uma trégua. Nenhum dos dois aceitará recuar e se desculpar. Nenhum dos dois admitirá a derrota dos argumentos. Mostram que são mais decididos, mais temperamentais, mais convictos. E não largam sua posição intolerante porque estão se exibindo, estão alertando que são bons. Quase a comentar: "vê como sou forte, não é isso que está procurando?"

Tentam convencer, e, de modo involuntário, seduzem. A oposição é enganosa: a provocação é uma cilada: a contrariedade é um pretexto para não encerrar a conversa.

Não se ama sem incomodar e ser incomodado antes. Os cachorros de casa vão latir desesperadamente pelo avanço do estranho pelos nossos corredores.

Por que ele me perturba tanto? Por que ela me perturba tanto?

Ela não entende sozinha, e ele não entende sozinho, e voltam a se encontrar para procurar a resposta.

O amor cria sua dependência pela raiva. Porém, não é raiva, parece raiva; é mistério.

Fabrício Carpinejar

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