Sabes, meu Deus:
Me perguntaram, com espanto, se era verdade que eu acreditava que tu existias! E eu fiquei em silêncio, sem saber o que responder. Eu via, naqueles olhos, um pedido de desmentido, como se o teu nome fosse uma maldição, vergonha...
Pude compreender.
É que a morte se apropriou do teu nome, e o colocou na testa de cadáveres, em pedras de túmulos, teceu com ele mortalhas para corpos cinzentos dos quais havia fugido todo desejo de viver.
Queixos de ferro sabem gritar o teu nomeenquanto mastigam as carnes dos mansos.
Também a morte diz o teu nome com palavras litúrgicas,
e se decretam silêncios,
e se anunciam proibições,
e se exigem abstinências...
O teu nome proclama a morte do desejo.
Mas há sempre aquele cheiro de coisas em decomposição, presente nos paramentos sagrados e nas vozes taquarais pastorais...
Meu Deus, que é que fizeram com o teu nome?
Eu entendi o espanto: era o medo de que eu não mais pudesse ser amado, se o teu nome morasse em mim. Como se dissesse:
“Por favor, me diga que suas asas não foram cortadas, que você ainda ama penhascos e florestas... Me diga que o seu corpo continua ligado à sombra das àrvores, ao clarão da lua, às palavras de amor... Me diga que seus olhos são mansos, sem sentenças...
“Por favor! Como poderemos caminhar juntos se não cantarmos os mesmos cantos? Como poderemos dar as mãos se tivermos nomes diferentes em nossas bocas?”
Me perguntaram se eu acreditava...
Rubem Alves, no livro Pai Nosso (Paulus).
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colaboração: Beto Ramos
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Um comentário:
Rubem Alves, como sempre, fantástico!!!!!!!!!!
Dá até raiva que ele tenha pensado (antes de mim)(rsrsrs)de forma tão perfeita o que sempre desejamos falar.
Fez-me lembrar uma passagem em que Jesus, em frente a Jerusalém (mas poderia ser em frente ao Vaticano ou à maioria de outras igrejas cristãs) disse: "Jerusalém, Jerusalém, que mata os seus profetas..."
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