31.5.08

Confissão

Vou falar como filho, não como pai. Porque quando um adulto sofre gozação, ele volta a ser criança.

A face barbeada ou a pele brônzea recebe as camadas de blush da vergonha.

As orelhas fervem.

Ele pode ser um empresário de sucesso, ou um administrador competente, mas se alguém percebe um defeito que ele busca esconder desde pequeno, não consegue responder. Gagueja, tumultuado por dentro.

Por mais que tenhamos crescido, não crescemos o suficiente. Nossas virtudes amadurecem; nossos medos não mudam de idade.

Viver é um constrangimento: é vulnerabilidade. Amar é esperar a opinião distinta da nossa e suportá-la.

A primeira imagem que deve desmoronar é que a criança não pode ser cruel. Ela é, pois fala diretamente o que está pensando. E não há nada mais cruel do que a verdade. Não estamos preparados a aguardá-la.

Na fila do mercado, é possível que seu filho observe um portador de necessidades especiais e grite que ele perdeu as pernas. Ou confesse que aquela mulher é muita gorda e sequer está grávida.

Na escola, não foram poucos os colegas que me apontavam no rosto e diziam:

- Como você é tão feio?

Não faziam por mal, ou realmente faziam. Para serem engraçados. Para arrebatar a empatia da turma com risadas.

Eu me calava, com a vergonha de que meus pais ou irmão ouvissem aquilo. Não brigava. Eu secretamente tinha certeza de que era feio. Muito feio. Nunca respondi o que temia.

Ainda hoje quando me comparam a um extraterrestre, toda a minha oratória vai para o espaço. Fraquejo, peço ajuda, peço uma mão para atravessar a rua do desaforo. É assim mesmo, não ficarei bonito, decidi me estranhar tanto que ninguém mais seja capaz de identificar o que é mais insólito em mim. É tanta coisa irreverente que o observador demorará boas horas para me classificar.

Raspei minha cabeça, pinto as unhas da mão esquerda, uso roupas que são próprias para baladas, com lantejoulas e brilhantes, em plena luz do dia, saio com óculos enormes de gafanhoto e morcego. Não temo o escândalo de minha alegria.

Ao invés de esperar o pior, me critico. Não tento ser normal, exagerei as minhas diferenças.

Ainda não consigo me defender, em compensação minhas dores me ensinaram a defender os outros. A não permitir que a omissão e a indiferença prosperem em pensamento. Revezar sensibilidade e humor, nunca espumar de raiva e revidar a agressão. As palavras servem para desarmar. Briga é o fracasso das palavras – não interessa ao escritor.

Eu compreendo para me situar. Explico a ferida para cicatrizá-la. Antecipo-me às fraquezas das pessoas e elogio no momento certo e não em qualquer momento.

Quando preciso, quando muito carente, daí peço emprestado beleza aos meus filhos.

Eu sou imensamente belo ao lado deles. É o único momento em que me esqueço.

arte de Francis Bacon

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