27.5.08

Morto duas vezes (2)

Depois de prestar seu depoimento em solidariedade ao amigo assassinado por PMs, o jovem ficou paralisado num canto, acuado, e sequer se animou a cantar em homenagem ao ex-companheiro de banda. Eu me aproximei dele suavemente. E perguntei o que estava acontecendo.
"Estou com medo e preocupado, acho que não devia falar nada porque os PMs estão ali, nos olhando", disse o jovem, como se estivesse fazendo algo errado.

Os PMs que estavam ali nos olhando não eram os que haviam praticado o ato criminoso, que impiedosamente matou o dono de uma voz maravilhosa, que amava os cânticos de louvor e tinha o doce apelido de Sabiá - Willian de Souza Marins, 19 anos, que foi preso, julgado e condenado à morte por dois policiais do 14o BPM (Bangu).

Tranqüilizei o rapaz e, ao final da manifestação de protesto contra a morte de Willian, agora à noite, na Cinelândia, propus ao líder do movimento Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, que fôssemos até os PMs que montavam guarda na praça para cumprimentá-los.

"Esquecemos de agradecer durante a manifestação que vocês estavam aqui também para nos proteger", disse ao sargento, chefe da guarnição, acompanhado de um cabo. Eles perceberam que falávamos sério, foram cordiais, disseram compreender sem qualquer problema o teor do ato público de protesto que reuniu cerca de 150 pessoas nas escadarias da Câmara de Vereadores do Rio.

Um oficial da PM, à paisana, que acompanhava a manifestação à distância, reconheceu que poucas vezes em sua carreira viu uma manifestação de protesto contra atos criminosos de policiais e não contra toda a polícia. O que assistimos agora à noite na Cinelândia foi uma manifestação não apenas de solidariedade aos parentes e amigos da vítima, mas um ato de profunda pedagogia no cenário da guerra não convencional que vivemos nesta cidade, em que diariamente tombam inocentes e culpados. A pedagogia que precisamos aprender, sobretudo na área da segurança pública: a busca constante do diálogo por mais grave que seja uma situação de conflito.

A julgar pelos depoimentos de pastores, líderes comunitários e amigos da vítima, o jovem era mesmo inocente. Chorando, sua mãe, d. Sandra, lembrou que sempre lhe recomendava que não deixasse de levar documentos para apresentá-los no caso de uma abordagem policial. Dessa vez a identidade de Willian serviu apenas para evitar que ele fosse sepultado numa cova rasa de um cemitério de indigentes, sem identificação. Ele foi morto num domingo e seu corpo, porém, só apareceu no dia seguinte no Instituto Médico Legal, onde seu pai, foi reconhecê-lo.

A pedagogia da mobilização para o protesto contra a morte de Willian se viu também num raro encontro entre a cúpula da Polícia Militar com integrantes de uma comissão formada pelo Rio de Paz, Viva Rio, OAB e parentes e amigos do rapaz, ontem à tarde, no auditório do quartel-general da PM. O chefe de gabinete do comandante-geral, coronel Gilson Pitta, o coronel Braga, ouviu a todos com atenção e se prontificou a tomar as providências necessárias para a apuração do caso. Ele estava acompanhado do comandante do 14o BPM, coronel Da Silva, superior dos policiais envolvidos no episódio.

Os oficiais da PM receberam uma carta, na qual o presidente do Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, pede que o caso seja investigado com total isenção e rapidez e os policiais acusados sejam afastados e punidos, e as testemunhas do caso tenham garantida sua integridade física e moral.

Durante o ato realizado nas escadarias da Câmara, amigos e parentes vestidos de preto - em sinal de luto - exibiram faixas e juntos recitaram o Pai Nosso, a oração universal, puxada pelo pastor Ebenézer, da Assembléia de Deus, de uma das comunidades pobres também marcadas pela violência. Como integrante da manifestação, senti que não era apenas mais um grito no vazio, mas um cântico de esperança de que seja feita justiça à morte de Sabiá.

Jorge Antonio Barros, no blog Repórter de crime.
Graaaaande Jorge!

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