10.6.08

Brasil Branca de Neve


Entrevista com Marta Morais da Costa, especialista em Literatura

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada recentemente pelo Pró-Livro/Ibope, revela um salto na média de leitura dos brasileiros em relação ao levantamento anterior, feito em 2004: o nível passou de 2,3 livros/ano por habitante para 4,7. Mas, para a professora Marta Morais da Costa, especialista em Literatura e autora dos livros Mapa do mundo: crônicas sobre leitura e Metodologia do ensino da literatura infantil (lançado recentemente), o levantamento mascara o quadro real do país, que está longe de ser considerado uma nação de leitores.

“Um país que tem Branca de Neve entre os livros mais lidos não é sério”, diz a pesquisadora. Na lista de livros citados pelos entrevistados pelo Ibope como “a última ou atual leitura”, o conto infantil aparece em oitavo lugar. Cinderela, Chapeuzinho Vermelho e Os Três Porquinhos também estão entre as dez primeiras posições.

A pesquisa “Retrato da Leitura no Brasil” aponta a média de consumo de 4,7 livros/ano por habitante. A senhora considera esse número baixo?

Em primeiro lugar, é bom lembrar que a pesquisa anterior indicava uma média de 2,3 livros/ano por habitante. Mas, na minha opinião, não houve um aumento efetivo no nível de leitura do brasileiro e sim uma mudança na forma de avaliar. Parece que o raciocínio foi o seguinte: se a situação não está muito boa, vamos mudar o parâmetro. Na lista dos livros mais lidos no Brasil está Branca de Neve, por exemplo. Um país que se vangloria por ter esse livro entre os mais lidos não é um país sério. Eu trabalho com Literatura Infantil e considero os contos de fada uma fatia de bastante qualidade. Mas a questão é que, quando se faz o levantamento de leitura de um país, não se pode ter resultados tão extremados. Ou seja, numa mesma lista colocar Dom Casmurro e Branca de Neve. Não há uma leitura intermediária para que você possa dizer que se trata de um país efetivamente de leitores. A pesquisa reflete mais o perfil de leitura das crianças, que realmente lêem muito. Mas mesmo elas, o que lêem? Livros quase sem textos, com 16, 32 páginas. São leitores ainda em formação.

Mesmo se fossem cinco livros, não seria pouco?


Sim, mas a média se aproximaria mais de países com população considerada leitora, como França e Estados Unidos, que têm um volume de 5,5 ou sete livros/ano por habitante. E eu acho que ainda estamos longe desses resultados e que os dados deste último levantamento mascaram o quadro brasileiro. Ainda falta muito em termos de leitura no Brasil. Falta uma leitura compreensiva, que capacite as pessoas até para definir o que é um livro de qualidade ou não.

Então a senhora acha que o Brasil está muito atrasado em comparação com outros países?

O Conto de Escola, de Machado de Assis, foi adotado na França para crianças de 8 a 10 anos. Lógico, a França tem uma cultura mais antiga, um trabalho com leitura. Mas a gente não pode dar um salto? Claro que sim. O que a gente está esperando? Que a Birmânia vá na nossa frente? A Coréia do Sul já nos passou e estava numa situação muito pior. A Índia está melhor em termos de leitura e cultura. Então, não dá mais para esperar.

E por que é tão importante formar leitores?

A leitura é básica não somente para Literatura, mas para qualquer conteúdo da escola. A queixa dos professores de Matemática é que os alunos não entendem o problema que lêem. A queixa dos professores de História é que eles não têm condições de autonomia de leitura para um texto da área. A queixa é geral em termos de compreensão de texto. Os alunos não entendem a informação se ela não for transmitida oralmente. E isso não é uma questão só de criança ou de adolescente, é de todos. Eu vejo na universidade as dificuldades que os meus alunos têm de lidar com um texto técnico da área deles. Essas são conseqüências deste mascaramento da leitura.

O nível de leitura é alto, embora raso, durante a idade escolar. Mas como fazer para que os jovens continuem lendo após esse período?

Entre 5 e 17 anos, há um mundo de diferenças na qualificação para a leitura. Se nós temos crianças estimuladas por professores e livros ilustrados, que lêem muito até a quarta série, a partir daí o interesse pela leitura decai muito. Os professores que trabalham a partir da 5ª série se queixam muitíssimo de que não existe esse interesse. Isso ocorre até porque Nesse período os jovens estão sujeitos a requisitos sociais fortíssimos e nenhum deles aponta para a leitura. Pelo contrário, aquele adolescente que lê muito é até marginalizado no grupo. Portanto, há trabalhos diferentes a serem desenvolvidos. Até os 10 anos, esse trabalho é mais fácil. Depois disso, a situação fica mais complicada e nós temos só algumas pistas sobre o que pode ser feito. Alguns professores de 7ª, 8ª série, como exemplo, dizem que seus alunos não gostam de ler. Mas nós temos estagiários que vão entusiasmados para a sala de aula, com uma aula motivada, e fazem com que os alunos se interessem. Então não é só o desinteresse do lado de lá, há também a formação deficiente do jovem.

O argumento de que livro custa caro no Brasil é válido para justificar o desinteresse pela leitura?

O livro custa caro no Brasil porque nós ganhamos pouco. Nos Estados Unidos e na França os livros são mais caros, mas as pessoas ganham mais. Mas também há coleções baratíssimas nesses países. Centenas de clássicos são publicados a um preço equivalente a R$ 5, R$ 8 ou R$ 10. E não são livros descartáveis. São livros com estudos críticos, análise, papel bom, encadernação resistente. As editoras parecem que têm um respeito pelo leitor maior do que aqui, onde já tivemos edições populares, mas em papel escuro, numa edição que solta as folhas e não atrai ninguém. A atração pela beleza existe em qualquer lugar, em qualquer idade e em qualquer escolaridade.

Fonte: Gazeta do Povo

Um comentário:

Sidnei Moura disse...

Pava,

obrigado pela visita e pelo add nos seus links.

Parabéns pela matéria publicada "Brasil Branca de Neve". Sou estudante de Língua Portuguesa e Inglesa, e Literatura Brasileira, Americana e portuguesa e sei o quanto nosso pais perde pela falta do hábito da leitura.

Abraço!

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