Desde a época em que um estudante universitário em conflito me relatou em uma longa carta de 16 páginas (sim, ainda não existia e-mail...) seus horrores com a maneira em que ele havia sido “evangelizado”, tenho dificuldades em “usar” o conceito ou a realidade do inferno em conversas com não-cristãos.
Interessante notar que quando Jesus falou do conceito de punição e justiça, o fez com os religiosos, mas não o usava em seus encontros com os aflitos necessitados da graça.
Lembro-me de outro amigo, um bom companheiro de moradia enquanto éramos estudantes na universidade. Ele me revelou sua luta interna mais ou menos assim: “Não posso imaginar que abraçarei uma fé que me leve a crer que aquelas pessoas queridas de minha família, algumas das quais já morreram, e que não abraçaram essa mesma fé, irão para algum tipo de sofrimento eterno.”
Era um dilema real, honesto e humano. Não me recordo bem das palavras com que lhe respondi, mas foram algo na direção de que esse Deus em quem eu cria era muito mais justo do que qualquer noção de justiça que pudéssemos ter. E que Ele saberia resolver esse “problema” melhor do que nós mesmos. Nossa parte era confiar e abraçar o que nos parecia correto, verdadeiro, o que nos levava à vida.
Esse dilema também atingiu a Charles Darwin. No final de sua vida, escreveu em sua autobiografia que não podia “entender como alguém devesse desejar que o Cristianismo fosse verdade”. Caso fosse, a linguagem do Novo Testamento “parecia mostrar que os homens que não têm fé, e isso incluiria meu pai, irmãos, e quase todos meus melhores amigos, seriam eternamente punidos. E essa era uma doutrina abominável”.
Talvez fosse interessante perguntar por que supostamente só os amigos ou parentes mereceriam tal compaixão. Mas é fato que primeiro sofremos com eles e por eles. E isso pode se tornar, no caso de não se tratar de uma desculpa ou escape vil, em um elemento legítimo de crise que embaça ou bloqueia o caminho para que alguém experimente a misericórdia e a graça.
Parte desse problema, creio eu, se dá porque a muitos cristãos lhes parece importante determinar o destino eterno de alguém, em especial dos incrédulos.
Não desejo entrar aqui em águas ou chamas perigosas da doutrina do inferno. Podem me chamar de covarde, que a crítica me cairá bem. Mas queria sim levantar alguma reflexão sobre o uso que fazemos desse ensinamento ou acerca de nossa ânsia por ter “controle” sobre o assunto, dizendo de antemão e com segurança a quem caberá o quê.
Graça e misericórdia não existem sem a noção de justiça, isso é certo. Mas reluto em ser como Jonas quanto aos ninivitas. Porque se acho que posso ser mais justo do que Deus, toda minha injustiça e egoísmo ficarão dolorosamente expostos.
O universitário do início do texto hoje segue a Jesus com alegria. Não foi o obscurantismo dos filmes de terror “evangélicos” que o “evangelizaram”. Não foi quando lhe enviaram ao inferno que ele conheceu a Jesus.
Foi assim. Ele ouviu uma batida na porta e uma voz que do outro lado lhe chamava. Relutante abriu, e logo com confiança andou, levado por aquele que lhe tomou pela mão.
Ricardo Wesley Borges, no blog O Sul é meu Norte.
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Um comentário:
Espetacular esta reflexão... Parabéns por este texto!!!
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