22.6.08

Feliz aniversário, Che Guevara

Em 14 de junho Che Guevara completaria 80 anos! Sua militância entre nós terminou aos 39. Nem por isso conseguiram matá-lo. Hoje, está mais vivo do que nas quatro décadas de existência real. Aliás, são raros os revolucionários que, como Mao, e o próprio Fidel, envelhecem. Muitos derramaram cedo o sangue capaz de adubar o projeto de um mundo de liberdade, justiça e paz: Jesus, com 33 anos; Martí, 42; Sandino, 38; Zapata, 39; Farabundo Martí, 38; só para citar uns poucos exemplos.

O inimigo deve arrancar os cabelos ao constatar que, hoje, Che se encontra mais presente do que à época em que ele acreditava ter o poder de assassinar ideais. Tentaram de tudo para condená-lo ao olvido: retalharam-no o corpo e esconderam seus membros em diferentes lugares; inventaram a seu respeito toda sorte de mentiras; proibiram que sua literatura circulasse em muitos países.

Fênix teimosa, Che revive em fotos, músicas, espetáculos teatrais, filmes, poemas, romances, esculturas e textos acadêmicos. Até uma cerveja batizaram com seu nome! No mais sofisticado Spa do Brasil, o Unique Garden, a estampa do seu rosto, segundo a famosa foto de Korda, ocupa o centro do salão de convívio.

Ao constatar que algemas não aprisionam símbolos nem balas matam exemplos, inventaram falsas biografias para tentar difamá-lo. Em vão. Até em jogos de futebol torcidas erguem cartazes com o seu rosto. E vejam que não se gasta um centavo para essa propagação de sua imagem. E ela só tem importância por refletir ideais que fizeram dele um revolucionário. Nada disso é fruto de marketing. São gestos espontâneos de quem faz questão de enfatizar que a utopia permanece viva.

Hoje, reassumir o legado de Che e celebrar seus 80 anos nos exige manter o coração e os olhos voltados à preocupante situação do nosso planeta, onde impera a hegemonia do neoliberalismo. Multidões, sobretudo jovens, são atraídas ao individualismo, e não ao espírito comunitário; à competitividade, e não à solidariedade; à ambição desmedida, e não à luta em prol da erradicação da miséria.

Fala-se tanto do fracasso do socialismo no Leste europeu, e quase nunca do fracasso inelutável do capitalismo para 2/3 da humanidade, das 4 bilhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza.

Angustia-nos também a degradação ambiental. Se os líderes do mundo tivessem dado ouvidos ao que alertou Fidel na Eco-92, no Rio de Janeiro, talvez a devastação não tivesse chegado ao extremo de provocar freqüentes tsunamis, tornados, tufões e furacões jamais vistos, sem falar do aquecimento global, do degelo das calotas polares e da desertificação das florestas. O desmatamento da Amazônia é alarmante.

O barril de petróleo, que custa menos de US$ 10 na boca do poço, já custa mais de US$ 120 no mercado. É triste constatar que grandes áreas de lavoura alimentícia são reservadas para a produção de etanol destinado a nutrir os 800 milhões de veículos automotores em movimento no dorso do planeta, e não as 824 milhões de bocas famintas ameaçadas pela morte precoce. Diante desse mundo em que a especulação financeira suplantou a produção de bens e serviços, e no qual a Bolsa de Valores serve de termômetro da suposta felicidade humana, o que fazer?

Bolívar deve estar feliz com a primavera democrática na América do Sul. Após os ciclos de ditaduras militares e governos neoliberais, agora o povo elege governos que rejeitam a Alca, aprovam a Alba e reforçam o Mercosul, e repudiam a invasão do Iraque e o bloqueio de Cuba por parte do governo dos EUA.

Qual a melhor maneira de comemorar os 80 anos do Che? Creio que o melhor presente seria ver as novas gerações acreditarem e lutarem por um outro mundo possível, onde a solidariedade seja hábito, não virtude; a prática da justiça uma exigência ética; e o socialismo, o nome político do amor. Construir um mundo sem degradação ambiental, fome e desigualdade social!

Às vésperas do 50º aniversário da Revolução Cubana, todos devemos encará-la, sempre mais, não como um fato do passado, e sim como um projeto de futuro.

Frei Betto é escritor, autor de “ A mosca azul” (Rocco), entre outros livros.

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