1.6.08

A minha alma está (des)armada

Homem de guerra é Jeová
Seu nome é temido na terra
A todos os seus inimigos venceu
Deus grande e temido em louvores
Quem é como o Senhor
Entre os deuses sobre a terra
Que me livra do mal, que me dá poder
Para guerrear

Adhemar de Campos

No exemplo acima percebemos a ligação da fé cristã com a guerra. Na citação, um cântico de Adhemar de Campos, a ligação seria alegórica. A letra da música não fala de uma guerra literal, mas sim espiritual. Entretanto usa-se a figura da guerra. É realmente salutar ligar o Deus de amor da Bíblia com a guerra?

Recentemente assisti um debate sobre o sinais do tempos em uma emissora evangélica. Em dado momento os debatedores defendiam a tese de que Israel venceu a guerra dos 6 dias (junho/67) em razão da ação de Deus. Em outras palavras, Deus fez com que Israel vencesse os seus inimigos na guerra. Os debatedores do programa também ficavam felizes em descrever o poderio bélico de Israel. Sinal da ação de Deus, diziam eles. O Deus de Jesus estaria então do lado de Israel na luta contra os Palestinos? Para os debatedores do programa parece que sim.

Como conciliar o Deus que ama incondicionalmente com as guerras humanas? Sinceramente, creio ser tal tarefa impossível. Infelizmente, porém, muitos evangélicos brasileiros acham normal crer em Jesus e ver a ação de Deus em sangrentas batalhas. Como foi possível tal contradição? Resultado de uma teologia mal elaborada. Em geral uma teologia importada do fundamentalismo americano. Esta teologia bélica é americana, e isto explica o fato de uma nação de maioria protestante ser a nação que mais se envolve em guerras no mundo atual.

Um primeiro pressuposto teológico errôneo defendido pela maioria dos evangélicos brasileiros é a idéia de que há ainda um propósito especial para Israel como nação política. Isto só é possível pela total desconsideração de textos do Novo Testamento que de forma enfática colocam que a Igreja é o verdadeiro Israel.

As promessas feitas para o Israel nação no Antigo Testamento cumprem-se de forma integral na Igreja. Paulo chama a Igreja de “Israel de Deus” (Gl 6.15,16) e deixa claro que não há distinções de nacionalidade no Reino de Deus (Gl 3.28,29). Na primeira espístola de Pedro promessas dadas ao Israel nação são transferidas para a Igreja (I Pe 2.9). Israel teve um papel fundamental na história da salvação, mas desde a ressurreição de Jesus o Reino de Deus avança rumo a todas as nações (Mt 28).

Outro problema na teologia evangélica brasileira é a leitura inadequada do Antigo Testamento. Na Bíblia Hebraica, Deus mandou que Israel realizasse guerras, portanto Deus ainda está por de trás de algumas batalhas. Não podemos nos esquecer, porém, o contexto histórico-cultural que produziu o Antigo Testamento. O mundo do Antigo Oriente era um mundo de guerras. E guerras em nome dos deuses. R. De Vaux nos lembra que “toda a guerra antiga é, portanto, santa no sentido lato”.

Deus trabalha com um povo que vive num contexto de guerras, e então a admite por um tempo até que houvesse uma compreesão melhor do povo. E também não podemos desconsiderar a hipótese que a idéia de que Deus estivesse por de trás das guerras seria mais uma construção teológica humana do que realmente uma revelação divina.

E dentro desta perspectiva é importante notar a figura de Davi. Dois biblistas franceses chamam o herói bíblico de “protótipo entre violência e não violência”. Nas histórias de Davi há tanto o elogio do guerreiro (I Sm 8.20), como também a lembrança de que ele não construiu o templo por ter as mãos manchadas de sangue pelas batalhas (I Cr 22.8). Este último texto é um indicador dentro do Antigo Testamento que o ideal não é a existência de guerras. Como o divórcio (Mt 19) só foi permitida pela dureza dos corações humanos. Deus fala através do profetas Oséias dizendo “...exterminarei da face da terra o arco, a espada e a guerra” (Os 2.20). A não-violência era o ideal de Deus.

Numa teologia efetivamente cristã o Novo Testamento tem papel decisivo. E não há como defender a ação de Deus em uma guerra no Novo Testamento. Jesus é a própria não-violência em pessoa. Seus gestos e ações sempre expressam o amor incondicional de Deus. Nas famosas antíteses de Mt 5.21-48, Jesus expressa-se claramente contra a idéia da vingança e violência. A era do “olho por olho, dente por dente” acabou. O inimigo não deve ser odiado e massacrado, mas sim amado. O amor é dado a todos, o próximo é todo aquele que precisa de ajuda como bem ilustra a Parábola do Bom Samaritano.

O apóstolo Paulo continua na mesma linha de Jesus. Em Rm 12 ele nos ensina que: devemos abençoar os que nos perseguem (v.14); que deve retribuir o mal com bem (v. 17) e que não devemos fazer justiça por nossa própria conta (v. 19). Diante de tal testemunho sobre o amor de Deus, como ainda afirmar que o horror da guerra seria uma forma de Deus agir no mundo? Jesus pode ter previsto as guerras e seus rumores, mas nunca as desejou. O “circo de horror” que é a guerra é produto do pecado humano. Quem já assistiu o estupendo filme “Apocalipse Now” (1979) sabe do que estou falando.

A guerra é da natureza humana, mas não da vontade divina. Como bem afirmou Bonhoeffer: “Amar ao inimigo é algo contrário à natureza do homem cultural. Está acima de suas forças e está em contradição a seu conceito de bom e mau”. A guerra é humana, o amor ao inimigo é divino. Não podemos pautar nossas vida pelo real, mas sim pela esperança que vem de Deus. O mesmo Bonhoeffer nos lembra que a palavra inimigo abrange tanto o pessoal como o político. E completa o teólogo alemão que “o amor ao inimigo leva o discípulo ao caminho da cruz e à comunhão com o crucificado”.

Dito tudo isto chegamos a algumas conclusões importantes:

1. Não há mais espaço para nenhuma guerra santa. “As guerras de Israel são as únicas guerras santas da história. Era a guerra de Deus contra o mundo da idolatria”. Desde que Jesus trouxe a sua mensagem centrada em sua morte na cruz não há mais espaço para a violência em nome de Deus. As cruzadas foram um disparate. Os Estados Unidos quando usam o nome de Deus para as suas guerras estão tem total contradição com a mensagem de Jesus;

2. Nossa reflexão teológica deve seguir o exemplo da não-violência de Jesus. Nenhuma guerra deve nos deixar felizes ao ponto de vibrarmos: quem bom Jesus está voltando. Uma guerra é sempre uma tragédia, e assim deve ser descrita. Nenhuma guerra, hoje, cumpre os propósitos de Deus;

3. Devemos também rever nossa escatologia. Devemos seguir o caminho apontado por Jurgen Moltmann (“Teologia da Esperança”) e ligar a escatologia com a esperança. A certeza da vitória final do Reino de Deus. E abandonar a escatologia vinda do Estados Unidos que só traz terror e neurose. Israel luta contra a Palestina por interesses puramente humanos e não por um propósito divino. A verdadeira escatologia fala de vida, esperança e restauração, e não descrições catastróficas de guerras e violências;

4. Devemos rever as letras de muitos de nossos hinos e cânticos. Por que tanto termos ligados a guerra e destruir os inimigos? Nosso inimigos são para serem amados e não destruídos. Sei que muitos destes cânticos falam de uma guerra espiritual (Ef 6), porém não creio que tal comparação seja a melhor. Precisamos de mais hinos e cânticos que celebrem o amor e a paz, e que deixem de lado termos de guerra.

Luís Carlos Batista, no blog A fé em busca de entendimento.

Um comentário:

Anônimo disse...

Amém querido. Que bom termos pessoas como você pra ler na internet. Pessoas que entendem o que o Nosso Pai em toda a Sua plenitude: amor ágape( : "Amai (ágape) vosso próximo como a vós mesmos. Toda a lei e os Profetas residem nestes dois mandamentos". (Mateus 22: 37-41).

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