9.8.08

Cueca no box

Falta-me traquejo para a vida de solteiro.

Não encontrar, por exemplo, o fim da pia de manhã. Não observar o ralo. Colocar mais um pires na montanha e embarcar com a consciência limpa ao trabalho. Passar reto e despreocupado pelo amontoado de xícaras e pratos da semana batendo na boca da torneira. Usar todos os talheres para depois pensar em lavar os encardidos. Antes, inclusive, recorrer aos garfos de plástico de alguma festinha de criança.

Eu não tolero louça suja por mais de 24 horas. É uma fragilidade de temperamento. Claro que sozinho não teria que provar contas a ninguém. Sozinho, desfrutaria da liberdade do desejo. O problema não é enganar os outros, é não conseguir me enganar.

Sei que está suja e isso me atrapalha. Atrapalha meu raciocínio cartesiano, de concluir primeiro uma atividade para engatar outra. É um bloqueio criativo da minha motricidade.

Talvez eu seja um entre a maioria dos homens que fracassa em permanecer solitário, saindo da casa materna para um casamento, sem a transição sadia de um apartamento pequeno, os amigos em dia e os comprovantes a pagar. Logo me casei e vivi casando. Pelo medo da própria solidão. Não agüento, mais do que a pia imunda, minha cabeça parada por meia hora.

Homem é um animal carente. Ele largará um casamento ou namoro se tiver de olho em outra mulher. De "olho" é eufemismo. Já estará quase junto, em segredo, costurando uma vida paralela.

É desse jeito. Ainda não conheço um sujeito, por favor se apresente, que tenha terminado um romance para cumprir um tempo sozinho. "Ficar um tempo sozinho" é a maior mentira inventada. Na primeira noite, o cara estará festeando com a futura esposa ou telefonando para o frete.

Creio que seja uma fragilidade psicológica. Dependência. De quem foi mimado. Um costume herdado. Define sua vida como estar acompanhado, desde as turmas da escola. Que restar sozinho com um livro ou com um prato é perda de sol; é jogar sua juventude fora. Deveria estar aproveitando na rua, no bar, na cama - e com testemunha.

A mulher não enfrenta essa histeria da aproximação. Ela pode tranquilamente se separar para não casar em seguida. Tem a dignidade do luto, de lavar as costas do silêncio, de reprisar sua história e arrumar os álbuns de fotografias. Respeita o sentido da entressafra, de que a terra precisa de um recesso para voltar a crescer como no começo. É uma consideração ao ex, por aquilo que ele teve de bom e ruim.

Algo que o homem não repara, casando e casando, não produzindo um intervalo sequer para se duvidar. Emendará suas hesitações, fotocopiando os erros e repetindo no quarto matrimônio a relação frustrada do primeiro.

Raramente alguém verá uma cueca no box do banheiro. Homem não tem solidão.

Fabrício Carpinejar
arte de Jasper Johns

Leia +

Nenhum comentário:

Blog Widget by LinkWithin