16.8.08

O cavaleiro e o terrorista

Sexta à noite eu decidi que ia ter um sábado de adolescente. Acordei por volta das 11 e pouco (sem tentar adivinhar que horas eram... sim, tenho essa mania, mas tô dando um tempo nela), tomei banho, escutei uma musiquinha, me troquei e me mandei para o shopping.

Logo de cara me deparei com uma exposição de Harley-Davidsons, coisa que imediatamente quase acaba com meu sonho de sábado-jovem, já que me deu uma tremenda vontade de ser velho e ter uma daquelas motos e, bom, uma das coisas eu já consegui, e infelizmente não é a moto.

Subi até o cinema e comprei ingresso pra Batman – O Cavaleiro das Trevas, e depois fui comer, como um bom adolescente, no Burguer King.

Meu dia de adolescente começou errado porque eu me esqueci de uma regra básica: adolescentes andam em bando, e eu estava sozinho. Bom, tudo bem, o almoço e o cinema da tarde ainda significavam alguma coisa. Também reparei na quantidade de crianças feias passeando pelo lugar. Gente, o que tá acontecendo com nossas crianças?

Além disso, tinha um bando de fãs de Star Wars vestidos a caráter porque rolava algum evento sobre o assunto por lá. Então eu me deparo com aquele grupo de virgens aos 20, 30, 40, 50 anos vestidos de guarda estelar, Darth Vaders e mestres Yodas andando pelos corredores com a loja Levi’s de fundo. Tudo a ver!

A sessão começou mais ou menos pontualmente, e depois de 25 minutos de trailers e comerciais, finalmente veio o filme. Minha tarde de adolescente prometia logo nas primeiras cenas. Mas o filme foi indo, foi indo, e eu vi que tudo era assustador ou complicado demais pra um adolescente entender.

Na minha leitura, se trata de uma tremenda metáfora do governo Bush e a da política externa norte-americana. O filme ultrapassa de longe a categoria de filme de super-herói, e exibe na tela uma complexidade que muito filme metido a sério não consegue transmitir, com questionamentos políticos, morais, éticos e, claro, filosóficos. Fui deixando o adolescente de lado, e acabei vendo que pra encarar certas coisas é preciso ser adulto.

Toda a coisa não é muito diferente do que o que se desenrolou no mundo após o 11 de setembro. Um fanático maluco sem regras ataca como pode uma cidade e um outro fanático maluco que respeita algumas regras tenta capturar o primeiro, mesmo que seja necessário restringir algumas normas democráticas e ferir os direitos dos cidadãos comuns.

Coringa chega à cidade querendo causar o caos, e essa é a sua religião. Ele não mede conseqüências ou vidas para atingir seus objetivos, e nem mesmo teme pela sua própria vida, desde que ele cumpra sua missão. Batman quer devolver a ordem à cidade, e para isso é capaz de colocar a prova mais do que a sua determinação e sua vida, mas também a verdade por trás de seus atos.

À medida que a ação e os acontecimentos se sucedem, os problemas se tornam uma bola de neve, e cada ação que se julga certa se revela um erro com conseqüências cada vez piores, em que medidas paliativas só se mostram potencias complicadores futuros. Ou seja, um presidente decide invadir de forma arbitrária um outro país, e dessa invasão o resultado é toda uma ninhada de possíveis terroristas (ou bandidos no caso de Gotham). É exatamente o que Batman acaba fazendo em cada uma de suas ações. Acreditando que está certo, ele comete um erro atrás de outro, até se ver em um beco sem saída em que, de certa maneira, ele acabou servindo mais contra do que a favor da população de sua cidade.

Assim, é nos mostrado um mundo sem polaridades definidas, em que todo mundo pode ser mocinho ou vilão, todos podem ou não ter razão. A ideologia e a religião são objetos perigosos de motivação, levando uma pessoa a cometer indefinidamente os mesmos erros em nome do que acredita, seja essa crença política ou religiosa.

Para um filme de super-herói, Batman chega (pelo menos na minha cabeça) até mesmo a remeter aos Demônios de Dostoievski, livro que antecipou em muitos anos toda essa organização de mundo em que vivemos hoje e que marcou as revoluções e conflitos do século XX. Ali, um jovem idealista é capaz de tudo para atingir seus objetivos, e nessa equação não entra questões humanas, mas sim questões de ordem geral. E para isso ser atingido, o ser humano pode ser ignorado.

Alê Duarte, no Haja saco.

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