Para começar eu estava entre amigos, no que era evidentemente um retiro ou um acampamento. O Protagonista não precisava de nada, até que entrou em cena o Conflito. E a ênfase neste meu caso, como em todos, é não precisava de nada.
Carrego na minha mitologia pessoal um bom número de emblemas de bem-aventurança, mas nenhum maior do que a experiência da vida comunitária nos retiros (especialmente os de Carnaval, que duravam bons quatro dias) com o pessoal da minha igreja. Faz mais ou menos dez anos que não participo de igreja alguma, mas a lembrança daqueles dias habita meu coração com o caráter imediato e rigoroso da realidade e ainda define, para mim e diante de mim mesmo, o que é realmente estar feliz: o que é estar no Paraíso e não precisar de nada.
Eram retiros incomuns, os da minha igreja, porque arrebanhavam gente de todas as idades e não apenas categorias arbitrárias como jovens ou adolescentes. A idéia de ver convivendo juntas pessoas que traziam tantos temperamentos, histórias e pontos de vista diversos me atraía (e ainda, sem qualquer alteração, atrai) ao ponto da vertigem. Enquanto alguns reclamavam com alguma sinceridade das acomodações, da comida, da fila para o banho e da escala para lavar a louça, para mim era tudo precisamente como deveria ser: o mero júbilo, a simples vibração de estar entre pessoas, redimia o mais reles transtorno em símbolo de glória.
Devo denunciar, para tornar as coisas mais claras, que na curva primordial entre a infância e a juventude fui um sujeito muito tímido e introvertido. Minha vida interior era tão ativa e povoada quanto é hoje, mas eu não a compartilhava, em qualquer sentido e por nenhum meio, com ninguém.
Até os vinte e tantos anos eu não via no horizonte nada que pudesse mudar esse cenário, e – talvez mais importante – estava inteiramente convicto que nenhuma mudança era necessária. Para mim (como mais tarde descobri ter sido para Borges) a timidez era coisa muito importante, quase uma virtude a ser cultivada, pelo que a lembrança de glória que trago daqueles encontros é a sensação de estar com pessoas, não a de interagir com elas.
Minha introversão, na verdade, alçava-me a um ponto de vista que contribuía para consolidar minha sensação de bem-aventurança. Como o Quasímodo na versão Disney do Corcunda de Notre-Dame, observar meus amigos à distância me ajudava a distinguir com clareza o que eles mesmos não podiam ver: o tremendo, quase cegante, privilégio que era ser eles.
Eu estava entre pessoas e as amava. Para mim nada mais era necessário.
Paulo Brabo, no blog A Bacia das Almas.
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2.8.08
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Um comentário:
Como não posso comentar no blog do Paulo Brabo, irei comentar aqui.
LIndo, lindo! Realmente lindo o texto, sincero e nostálgico.
Abração Pava,
Fique na Maravilhosa GRAÇA!
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