Alguém já deve ter ouvido ou lido eu dizer algo ruim sobre “moralismo”. (Êta palavra feia!) Na verdade, uso este termo por mera preguiça de simplificar uma longa e inevitável discussão filosófica da moral.
Não sou filósofo, mas, como teólogo, exerço o ofício de ouvir perguntas filosóficas que, a depender do dia, a/s minha/s teologia/s vai/ão se aventurar a dar resposta/s. Hoje poderia tentar responder questões já clássicas como estas que cito gostosamente na versão mineira: “Oncô vim?”, “Oncô tô?”, “Oncô vô?”. No entanto, prefiro refletir sobre a profundidade da resposta moral para a pergunta que, confesso, não sei qual é.
Moral, em curto sentido, diz respeito aos bons costumes sociais, que as pessoas tendem a adotar com vista a algum ideal. Na religião, este ideal tende a ser espiritualizado. É uma conduta comportamental que, no fundo, quer repetir o ato prometéico de tentar roubar algum fogo dos deuses. O objetivo religioso é atingir um estado não-humano capaz de transcender carne e osso até os céus. (Quantos Vieira’s e Newton’s precisaremos para aprender que se jogar coisas para cima elas caem de volta para a Terra?)
Se Prometeu ficou mal na fita, isso também serve para nós. Adão e Eva que o digam! O casal nos ensinou a lógica do “aqui se faz, aqui se paga”. Inauguraram a moral, pegando o que não é seu. A história todo mundo já sabe. Assim como Prometeu havia roubado o fogo do Olimpo, os pombinhos surrupiaram da “árvore do conhecimento do bem e do mal”. Isso significou a entrada de cena da palavrinha “nomos”, ou lei. Para ficar mais fácil, prefiro chamar de “nomia”. Porque ela faz parte de três outras palavrinhas: teonomia, heteronomia e autonomia.
Em Gênesis, antes do banquete sinistro, nada disso fazia sentido. Não havia lei. Tudo era possível, inclusive o surgimento da lei. A fala divina de que não poderia comer do fruto estava mais para descrever o território que proibir o acesso a ele. Tanto é que é dito: “no dia em que dele comer certamente morrerás”. Por certo, a qualquer momento isso iria acontecer.
“Nomia” surge com a dificuldade humana de não saber conviver com a tensão entre forças transcendentes, externas e internas. Depois do Éden, a teonomia, a heteronomia e a autonomia se tornam instâncias antagônicas. Concorrem entre si. O ser humano provou não saber conviver sem a tal da “nomia”. Trocou o Jardim de Delícias pelo Jardim da Lei. O mundo dos deuses (teos), o mundo exterior (heteros) e o mundo interior (autos) passaram a se digladiar para ver quem ganha o prêmio de melhor ditador das leis. O ambiente edênico era propício para a Teologia, a Filosofia e a Poesia; já o pós-edênico, para o Direito.
Reina o “moralismo”, que nada mais é que uma vitória da lei sobre a integridade do Criador, da criação e da criatura. A gente esqueceu que a lei simplesmente não existe. Mesmo assim, ela, não existindo, venceu tudo o que há.
Felipe Fanuel
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21.9.08
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