20.9.08

O anel que tu me deste

Aprendemos desde cedo a desconfiar das juras de amor. A “ciranda cirandinha” coloca os amantes sob suspeita. Com o tempo nos damos conta de que as palavras da brincadeira de roda “o anel que tu me deste era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou”, são mais verdadeiras do que as palavras do altar “até que a morte nos separe”.

Não apenas as ambigüidades do coração humano, mas também o espírito de época conspiram contra a longevidade das parcerias amorosas. Somos constantemente estimulados a atualizar nossas escolhas e fazer trocas por produtos e serviços mais satisfatórios. Os relacionamentos são transformados em bens de consumo e as pessoas podem ser descartadas a qualquer momento, bastando aparecer na praça um “produto” melhor e mais atraente. O amor deixa de ser incondicional e sacrificial, e passa a ser eterno enquanto dura e deve se submeter às regras: compromisso sem renúncia da liberdade, convivência sem rotina, exigência de prazer perene e satisfação plena, busca permanente do par ideal, direito à felicidade individual.

Os seriados de televisão e romances hollywoodianos, com seus personagens embaraçados em conflitos amorosos, divertem os espectadores, que não apenas se identificam com as dificuldades e misérias afetivas, mas se consolam com a constatação de que não estão sozinhos no complicado jogo do amor, e recebem estímulo para que permaneçam buscando o par perfeito.

Neste cenário sombrio de amores efêmeros e relações descartáveis, os casais estão preocupados em descobrir como obter sucesso nas conquistas amorosas, como manter o romance aquecido ao longo do tempo e como preservar o encanto dos desgastes da vida a dois. Pura bobagem. Não há garantias na relação de amor. Alguém já disse que “quem vende propostas de baixo risco são comerciantes de mercadorias falsificadas”: anéis de vidro e falsos brilhantes. O poeta já disse que “não existe amor sem dor”. Não é possível amar sem correr riscos. Não dá para repartir a vida sem fazer morrer o ego. Ser casal custa caro.

O anseio pela longevidade da paixão conspira contra a experiência do amor.

Quem deseja viver para sempre apaixonado deve abrir mão da possibilidade do casamento. E deve abrir mão da possibilidade de amar. O apaixonado não enxerga nada além do seu objeto de desejo, por quem está enfeitiçado, razão porque se entrega sem reservas e loucamente. O apaixonado deseja “por causa de”: tem motivos para desejar e acredita cegamente que a posse do objeto de desejo trará a satisfação plena. O apaixonado é um escravo da paixão.

Aquele que ama, enxerga tudo, e se entrega por ato deliberado da vontade livre, que escolhe o outro “apesar de”: sabe que o amor não é um “sentimento”, mas uma decisão de auto-doação em benefício da pessoa amada.

“O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”

Quem ama é livre. E somente quem é livre é capaz de amar.

Ed René Kivitz, no site da Ibab.

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