
Como todo bom fanfarrão, Jim estava em todas. Nascido em 1933, em Haynesville, Louisiana, se alistou no Exército no fim da Segunda Guerra e se alocou em uma base aérea pacata em Edimburgo, na Escócia. Fez amizade com artistas, poetas e atores e, em pouco tempo, já era um participante ativo do Festival de Teatro de Edimburgo, até hoje um dos mais importantes do mundo. Durante o evento, Jim organizava saraus e debates literários que tiveram a presença de, entre outros, escritores como Henry Miller, Norman Mailer e William S. Burroughs. Com 600 libras no bolso, fundou sua própria livraria, a Paperback Bookshop, que depois virou teatro, depois galeria, depois um teatro ainda maior...
Em 1960, a cidade já havia ficado pequena para Jim. De endereço novo, em Londres, juntou-se a um grupo de amigos e ajudou a fundar a International Times (I.T.), publicação que registrou o período de efervescência contracultural que ficou conhecido como Swingin’ London. A festa de lançamento do primeiro número, em outubro de 1966, teve shows de um então ainda underground Pink Floyd e Soft Machine. Nos eventos seguintes da I.T., circulavam figuras do naipe de John Lennon e Yoko Ono, Mick Jagger e Paul McCartney. Tudo isso para chegar ao sexo. Em 1969 ele e o amigo americano Bill Levy (autor de títulos como O esperma dançarino virgem e Sonhos molhados) resolveram lançar, em Amsterdã, um jornal em prol da liberdade sexual batizado de SUCK. Foi um escândalo na época, deu origem a um festival de cinema pornô e a um processo do qual os acusados seriam absolvidos. Até que de Paris veio o chamado: queriam Jim Haynes para professor na então recém-inaugurada Universidade Paris VIII, lecionando uma disciplina que não poderia ser mais apropriada, estudos de mídia e política sexual. Foi sobre isso que o professor discorreu na entrevista a seguir.
Para começo de conversa, onde é que sexo e política se encontram?
Não sei se você conhece os textos do [psiquiatra austríaco] Wilhelm Reich. Mas, dos intelectuais que investigavam a sexualidade em Viena, só ele foi numa direção política. Reich escreveu um livro [The Mass Psychology of Fascim] sobre como uma sociedade reprimida sexualmente pode se transformar em um Estado fascista, como a Alemanha nos anos 30. Outras pessoas – incluindo eu – desenvolveram as idéias dele, falando, por exemplo, sobre como as instituições [civis] são baseadas na sexualidade: casamento, divórcio, família. Para mim, essas são todas manifestações de como regulamos nossa energia sexual, baseados no que é permitido ou não. Escrevi um livro contra os casais, contra a família e contra o romantismo. Houve um tempo em que eu dizia que o romantismo [ou a romantização] é mais perigoso que o comunismo. Significa que a garota espera sua vida toda por um príncipe, criam-se altas expectativas, e elas quase sempre levam à decepção. Ela encontra o cara, ele é perfeito, mas, de repente, descobre que ele está dando em cima de outra mulher. Então como ele pode ser o príncipe? Para mim, não há perversão. Só há contratos sociais. Se você quiser fazer amor com cinco caras, eles estão felizes e você está feliz, tudo bem. Qual é o problema? Nós deveríamos estar preocupados com a felicidade. Não em ficar dizendo: “Ei, não faça isso!”.
Além de suas experiências e leituras, essas idéias também foram influenciadas pelo local e pelo momento histórico em que você estava na época?
Particularmente pelos anos 60, em Londres. Eu amo a França, é o país que escolhi para viver, mas os franceses estavam tão presos ao marxismo político e ao maoísmo que se tornaram estúpidos. E ainda romantizam as coisas. Até hoje, eles ainda tentam entender o que foi o Maio de 68. Quando aquilo basicamente começou com um protesto de estudantes em Nanterre contra salas de aula superlotadas. Mas na Inglaterra, e também na Alemanha e na Holanda, as pessoas estavam mais preocupadas com as liberdades do indivíduo e temas como sexualidade e família. De fato, Maio de 68 está em toda parte neste ano. Diversas galerias de arte em Paris promoveram exposições com pichações e cartazes de protesto que foram espalhados nas ruas naquele período. Tem gente vendendo os cartazes por até 4 mil euros...Está aí outra coisa de que eu discordo completamente: o conceito todo de arte. Não há isso, [arte] é só vapor. Só existe mídia. Um livro é um livro. Um filme é um filme. Elevá-los a algo chamado de arte é bobagem. Arte é só algo para milionários continuarem milionários. Compram uma peça por 10 mil, guardam por anos e depois revendem por 10 milhões. Ou doam pra um museu na Filadélfia e se isentam de pagar impostos. Se eu digo que é arte, então é arte. Porque eu sou um artista. Bobagem, você é só um ser humano e sua merda.
Qual é o saldo de mudanças positivas de 1968?
O que foi fantástico nos anos 60 – porque 1968 foi só um ano – foi a atitude toda, que começou nos anos 50. Havia a cena folk nos EUA desembocando na cena de protestos contra o Vietnã, estávamos nos descobrindo com o LSD e o haxixe. E eu me tornei um pervertido sexual, porque gosto de dormir com mulheres bonitas. E a minha definição de mulher bonita é uma mulher que sorri. Meu critério é baseado na mutualidade: se elas têm o bom gosto de gostar de mim, eu tenho o bom gosto de gostar delas. Não estou interessado no sentido vulgar de sexualidade, de apenas foder. Gosto do afeto.
Como você vê o desenvolvimento da sexualidade hoje?
Bem, o pêndulo se move o tempo todo. Acho que um dos problemas com a liberdade sexual é que as pessoas não entendem o sentido. Pensam que significa poder trepar mais. Eu entendo que se trata de uma sociedade ou uma comunidade que é mais aberta ao afeto, em que as pessoas são menos intolerantes, aceitando-se do modo como são, e que põem abaixo o conceito de beleza. Uma mulher feia e um homem feio têm de fazer amor também! E, sendo mais aberto, não vejo razão de por que as pessoas não podem ter mais de um amante. Por que um? Antigamente – e ainda hoje – as pessoas pensavam que amor era um pedaço de torta e que, se você tinha metade, então sobrava outra metade para dar a outra pessoa. Eu sempre vi o amor como um poço artesiano, quanto mais você bebe, mais vem.
Qual foi o papel dos movimentos feminista e gay nessa mudança de mentalidade?
O movimento feminista foi importante porque as mulheres precisavam se afirmar. E o verbo afirmar [no inglês, “to assert”] é o meu favorito. Significa que, se eu tenho uma idéia, de tocar o seu cabelo, por exemplo, por que não posso realizá-la? Minha única restrição é entrar no seu espaço. O problema com as mulheres e os homens é que eles nunca entenderam isso: liberdade significa que você tem o direito de fazer o que você quer fazer, limitado apenas por entrar no espaço de outra pessoa. Acho que a liberação feminina foi inteiramente valiosa e necessária, mas então as mulheres começaram a interpretá-la mal, dizendo: não precisamos de homens. Tornaram-se pés no saco. O cara se aproximava delas, cheio de afeto, e levava um soco no nariz. Acho que o movimento gay surgiu, de certa forma, como uma reação a isso. Quem quer ficar ao lado de um bando de mulheres que são uns pés no saco? É melhor estar ao lado de um bando de homens que pelo menos estão se divertindo.
De volta a Maio de 1968, quando as pessoas estavam atirando pedras contra a polícia nas ruas, o que você estava fazendo?
Eu estava em Paris, mas sempre que havia uma manifestação eu evitava. Não via razão para estar lá. Eu sempre disse: nunca acerte um policial com um pau na cabeça, leve-o para casa para jantar. E convide também a sua mulher!
fonte: Trip
Nenhum comentário:
Postar um comentário