15.10.08

À espera de um milagre

Com 20 anos, gospel nacional sucumbe diante do pop brega religioso

"Se não morreu, está aguardando lugar na UTI." É a resposta de Paulinho Makuko, vocalista do Katsbarnea, banda fundadora do denominado gospel no Brasil, questionado sobre uma eventual morte do movimento. Os motivos? Além de não cumprir o objetivo original de romper as barreiras do templo para levar o evangelho por uma via pop e acessível ao público não-cristão, o gênero afundou-se em um gueto religioso em maneirismos e expressões compreendidas apenas por adeptos fervorosos.

Único integrante da formação original da banda, formada em 1988 no porão de uma igreja evangélica árabe em São Paulo, Makuko entende que a etiqueta gospel pode ter represado as bandas evangélicas de rock dentro do ambiente religioso, impedindo a expansão para o cenário pop nacional. Voltado para si mesmo, acomodou-se satisfeito com shows em igrejas, festivais cristãos e a venda de discos para o público evangélico.

"Quando a gente começou, não existia o nome 'gospel'. Existia música evangélica, caretaça mesmo, um negócio que eu nem sabia que havia", ele lembra. A banda, que nos anos 90 tocou ao lado de Ira!, Zero, Supla e Violeta de Outono na extinta casa de shows Dama Xoc, em São Paulo, hoje se vê restrita a eventos promovidos por evangélicos.

Passados 20 anos, o movimento gospel está descontextualizado. Hoje, uma nova safra de cantores e artistas "voltados para dentro" arrasta multidões de crentes a shows-cultos e vende CDs e DVDs a essa mesma multidão, enquanto bandas de rock continuam longe do circuito nacional, e gravadoras e lojas especializadas fecham as portas. Em vez do pop nascido no fim dos 80, quem dá as cartas hoje é um estilo conhecido nas internas como "louvor e adoração". Embora comercialmente viável, essa música é assumidamente feita para cultos com uma roupagem popular. Com discos de ouro, platina e diamante já recebidos - segundo a MK Publicitá, gravadora forte no estilo -, cantores e bandas somam letras religiosas a referências do pop comercial dos anos 80, como Rosana, Jane Duboc e Gilliard.

"Isso é careta. O gospel nasceu, começou a crescer e parou porque voltou a ser música da igreja. O gospel mesmo, no Brasil, não existe. Não existe alguém como a [rainha do gospel norte-americano] Mahalia Jackson", lamenta Makuko. Kako, baterista dos Militantes, concorda. "Não existe sustentabilidade de banda gospel fora da igreja porque não existe novidade", diz o integrante da banda, que atualmente conclui as gravações de álbum produzido por Clemente (ex-Inocentes, atual Plebe Rude).

Duas ações isoladas ameaçaram expandir os tentáculos do gospel. Em 2001, o Oficina G3 subiu a um dos palcos do Rock in Rio 3 para o show de abertura. O que poderia ser uma virada na carreira - a banda nasceu em 1987 dentro de uma igreja paulistana - revelou-se controverso. Além de metralhados pela ala conservadora dos fiéis dias antes, a banda tocou as primeiras músicas para ninguém - um problema com a TV Globo fez a organização atrasar a abertura dos portões e, simultaneamente, obrigar o grupo a começar o show. "Saímos arrasados do palco", lembra o baixista Duca Tambasco. Mas depois disso, segundo a banda, diversas FMs do país se interessaram pelo hard rock do Oficina G3.

Kim, vocalista do Catedral, criado em meio à cena crente do final dos 80, foi o responsável pelo segundo movimento em direção ao pop. A banda assinou com a Warner em 1999 e nela lançou três discos. Hoje, está na Record Music, da Line Records (pertencente à Igreja Universal). Para ele, a ausência de criatividade responde pelo isolamento do gospel. "O mercado está se fechando para as bandas de rock. Sabe quando tinha a onda da lambada? O meio evangélico está vivendo uma onda", ele aponta. A análise vem de quem é comparado desde os tempos de cena cristã com Renato Russo - a voz de Kim é próxima demais à do legionário, morto em 1996.

Para a gravadora MK Publicitá, no entanto, tudo vai bem. A companhia acredita que, da produção enviada ao mercado, cerca de 20% é consumido por não-evangélicos. "Se o gospel é o terceiro estilo mais consumido no país, segundo a ABPD [Associação Brasileira dos Produtores de Discos], como podemos afirmar que ele está fechado? Não está, só não tem cobertura da grande mídia", entende Alomara Andrade, assessora de comunicação da gravadora. "Claro que poderíamos ter tido um nível maior de penetração, sobretudo na mídia não-segmentada. Mas não é porque não foi assim que vamos deixar de lutar por isso. No momento certo, acontecerá." Quando? Só Deus sabe.

Filipe Albuquerque, na Rolling Stone.

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10 comentários:

Douglas Negrisolli disse...

Embora acredite que essa chatice de "Praise" seja algo passageiro mesmo... eu acredito que o Gospel no Brasil está na melhor fase sim... Quando o Katsbarnéa começou, eles e outros poucos faziam uma pseudo-ladainha-chata-rock e achavam que era bom...
Nunca tivemos coisas boas produzidas em vários ritmos e pra tanta gente... Há 20 anos atrás existia tanto Rap, Black como hoje? Acho que não.
Se dá pra sustentar-se ou não com música no Brasil, eu acredito que poucos consigam isso... A própria arte no Brasil não é levada a sério e isso inclui a música.
Agora... do mercado [aqui eu leio mundo] não está aberto pelo único motivo: ninguém está muito interessado na Luz, principalmente as trevas.

Anônimo disse...

douglas, a questão não é o número de gêneros musicais adotados por cristãos. na minha modesta opinião, existem problemas mais graves: a excessiva necessidade em segmentar (isso é gospel, aquilo é do mundo); a qualidade questionável dos 'artistas' cristãos - poucas coisas que se assumem gospel são conectadas com o que há de contemporâneo no pop. a maioria soa empoeirado - e a insistência em adotar um discurso que só é compreendido pelos crentes. Dê uma navegada pelos sites de algumas gravadoras cristãs dos EUA - Tooth and Nail, Velvet Blue Music, Solid State, Bec Recordings - e veja que as bandas não devem em nada ao que há de mais atual no pop. Além do mais, a abordagem de bandas e gravadoras está distante anos-luz do discurso 'profético/apostólico adotado por aqui'. Se existe má vontade, é recíproco: se não cristãos não estão mt a fim das bandas cristãs, o mundo gospel quer distância do que está do lado de fora da igreja. qualquer dia desses te conto as respostas que recebi do baterista de uma banda grande do gospel nacional, mas q não entrou na matéria porque só recebi dias depois do fechamento. é de deixar muçulmano corado. triste. a graça passou longe dele. pelo menos nas respostas. Abs

Douglas Negrisolli disse...

Bem Filipe,
1˚Segmentar acho que é um acerto, diferente do que vc acha... Eu acho aquele surrealismo dos Estados Unidos de ter bandas que falam em nome de Cristo e vc pesquisa a história da banda...e só tem lixo ocultista e satânico(eu pesquisei e achei uma ao menos). Ou a trajetória da banda não faz importância? Poderia citar bandas que retornaram a gravadoras da Igreja Universal do Rein.... após períodos tentando no mundo encontrar sucesso, com suas letrinhas ridiculamente amorosas e que só falam do "amor" mas não citam o nome de Jesus e o poder que ele traz... enfim.
2˚ Acreditar que a linguagem é só para os crentes no quesito "praise" é mesmo... agora, existem coisas boas que falam com o mundo sim... Concordo que muitas delas que eu conheço são de uma tiragem limitada de CDs, lidam com a falta de recursos e não tem apoio das grandes gravadoras gospel(culpa? eu acho que elas tem sim em partes em não apoiar bandas boas quando poderiam).
3˚ Eu não acredito em um discurso profético/apostólico como vc diz... tão radicalmente que impeça o mundo de vir através da música, mesmo que vc acredite ser incipiente.
O fato do Pop seguir ou não o que há de mais recente eu não posso comentar pq não tenho subsídios pra isso, mas uma coisa é fato... tornar o "profano'' para o "sacro" é péssimo.... tornar Funk carioca em jingle protestante é o fim.

Fazer uma releitura do profano querendo que o mundo siga Jesus é bastante paradoxal. Não sei se realmente temos que seguir os passos da experimentação mundana para adquirir algum nível de excelência na música. Temos cristãos suficientemente capazes para experimentar e produzir coisas boas... Apenas precisamos de tempo para aflorar isso.
Os artistas cristãos dos Estados Unidos demoraram muito pra chegar a este nível.

Anônimo disse...

legal, douglas. bom, definitivamente temos opiniões distintas. eu não compro disco pq a banda é crista; compro pq a banda é boa, o disco é bom. das bandas cristãs americanas q admiro - starflyer 59, joy electric, pedro the lion/david bazan, viva voce, unwed sailor, the lassie foundation etc -, posso colocá-las junto com radiohead, interpol, editors, white stripes e outras boas atuais e elas não devem em nada. já aqui... o aeroilis é mt bom. eu não quero ser segmentado pelo fato de ser cristão. e se estivesse numa banda, não gostaria de não poder tocar fora de igreja pelo simples fato de ser cristão.
não acredito na música como profana ou sacra. o que faz a música profana ou sacra é a intenção de quem a compõe. o rock, o jazz, o erudito, são apenas gêneros musicais. por isso questiono até a expressão música cristã. cristã sou eu, vc, o pavarini... mas á minha visão. legal que tenhamos condições de argumentar sobre o tema. há riqueza na diversidade. só me incomda o nivelamento por baixo que a gente vê hoje no meio gospel. valeu, abs.

Humberto R. de Oliveira Jr disse...

Eu acredito que nunca ouve tanta qualidade na gravação dos discos. Contudo, agora que há um primor técnico, eu to cansado das letras, das temáticas, dos clichês nos shows etc. e tal.

Caraca, há tempos atrás eu e alguns amigos do cenário metaleiro no sul de minas tínhamos um programa musical numa rádio "gospirata" (aquelas rádios “comunitárias” em processo de legalização que nunca acabam). Começamos o programa dizendo que era um programa de White Metal, depois de Metal Cristão... e no final falávamos que era um programa de Metal...rsrsrs O lance não é que negamos nossas origens. Mas que tentamos contextualizar nosso vocabulário ao contexto e também rejeitávamos os rótulos "gospéis", visto que eles são impeditivos para a divulgação de muita coisa boa no mercado secular.

O que ocorre é isto. Passa ano, entra ano, vai cd, vem cd novo e as letras sempre na mesma coisa... Pôh, o mercado secular não se interessa porque dificilmente é feito algo criativo que valha a pena ser recepcionado.

Anônimo disse...

Amigos,
Ontem no astros, apresentou-se um sexteto de vozes gospel - o conhecido estilo "a capella".
Lindo, lindo , lindo! Muito bacana mesmo. Contudo, sou da mesma opinião de um dos jurados , o Carlos Miranda: "Caras,quando vejo a música espiritual, e vejo coisa bem feita como vcs fazem, tenho vontade de pedir pra Deus emprestar-me vocês para cantarem um pop. Tdos devem ouvir, independente de religião ou não, budistas, espiritas..."(Parafrase minha).Dêem uma olhada no video da apresentação de ontem: eles cantam muuuuiiito, mas são crentes demais! A musicalidade toda acaba ficando restrita ao nicho "igrejeiro". Se bons musicos não tivessem tanta aversão a MPB e a própria música brasileira, a qualidade da música seria outra. Essa "fuga da aparência do mal" mata a arte- seja teatro, música ou dança. Os artistas evangélicos parecem crer que ser sal e luz como Jesus disse, é sair proclamando clichês aos quatro ventos.
Uma pena, clichê só ganha o que lhe é de direito: o lugar comum.

Abração,
Angela

Anônimo disse...

Essa questão vai sempre dar pano pra manga, mas um ponto que acho importante é q qualidade técnica é diferente de qualidade artística, nem todas as músicas "gospel" são voltadas para um cânticos eclesiásticos e nem nessas nós percebemos um comtemporaneidade de discurso bíblicamente baseada. E sem me ater a questão das letras que muitas vezes nem são musicais a música em si quase sempre é muto decartável, você não é envolvido pela música mesmo tecnicamente não tendo falhas, procurem no youtube as referências dadas no texto como Jane Duboc e Gilliard.
Acho que em breve as gravadoras gospel vão ter q enfrentar o que acontece na música em geral, as boas expressões artísticas estão no mercado independente.
Tb acho q copiar gringos está longe apontar um caminho.

Anônimo disse...

resumindo: esqueça o rotulo e seja feliz. eu gosto de algumas musicas do renascer praise, mas da doutrina e praticas, sem comentarios, mas tem musicas bonitas mesmo, q eles copiaram do americano, q esqueci o nome agora. eu acho q se é bom, o povo gosta. quem gosta de musica, ouve td o q eh bom. eh isso.

Emerson Bahia disse...

Pra resumir: A música, assim como o meio Gospel, é deprimente! Palavras de quem esteve neste "meio" durante 10 anos e viu, ouviu e viveu de TUDO - PRA NUNCA MAIS VOLTAR! (http://emerson.bahia.zip.net)

Anônimo disse...

Já ouvi falar de Paulinho Makuko, nunca ouvi música dele, gosto da revista e lerei sua matéria.

A música gospel brasileira ainda não morreu porque ainda existem João Alexandre, Grupo Logos e Vencedores por Cristo.

Tonico Silva

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