Certas polêmicas que de tempos em tempos brotam no meio literário brasileiro, ou em alguns setores dele, poderiam resultar em discussões interessantes. Mas é comum tropeçar na superficialidade e na deselegância para onde com freqüência descambam.
Tem pipocado aqui e ali de vez em quando, por exemplo, a afirmativa de que entre os novos autores brasileiros ninguém presta. Recentemente, Felipe Pena concedeu entrevista ao Prosa on-line classificando os atuais escritores brasileiros de “chatos, herméticos e bestas”. Em outros veículos, uma ou outra afirmativa semelhante aparece – muitas vezes por parte de novos autores, ou aspirantes a.
É difícil não enxergar nas entrelinhas de tais atitudes ressentidas o recado: ninguém presta além de mim, que afirmo que ninguém presta. Quando concessões são feitas, elas evocam um patrulhamento ideológico bastante fora de época. Só o autor que vem da periferia é que presta. Os amigos-de-bar-do-fulano são uns oportunistas e, de modo geral, não prestam. O autor que passou pela universidade não presta. Os autores brasileiros atuais só escrevem para os seus pares. Generalizações levianas que não resistem a uma argumentação mais consistente. E que perigam tranformar o mundo literário numa arena de bate-boca digna não de suplemento literário, mas de revista de fofoca de novela (com a diferença de que literatura interessa a muito menos gente do que novela).
É uma arbitrariedade acusar os autores atuais de prestar um desserviço à disseminação da leitura no país devido a um suposto hermetismo de seus textos. André de Leones, que vai sempre direto ao assunto, resumiu: “Cada um escreve como pode, não como quer.” Há autores entre nós publicando desde a mais sofisticada prosa poética até ótimos romances policiais de se ler numa única tarde. Contistas de primeira com uma prosa ágil, poetas excepcionais e cronistas com um público cativo. Há quem tematize a violência dos centros urbanos, quem volte os olhos para os ambientes rurais e para as cidades do interior. Ou do exterior. Há quem fale de amor, de morte, de futebol, de relações familiares ou que não fale quase nada. Há quem escreva romance histórico. Há quem fragmente sua narrativa e quem opte pelo narrador onisciente e onipresente. Há doutores, pós-doutores e gente que terminou a escola nas coxas, se tanto. Ex-economistas, jornalistas e editores. Guitarristas e cristãos.
Alguns leram James Joyce, alguns leram João Cabral e alguns, Conan Doyle. Outros leram Cortázar, Clarice, Rubem Fonseca ou Thomas Pynchon. Alguns leram Machado e Cervantes, com quem aprenderam o valor da ironia e da auto-ironia. E outros não leram nada disso. A literatura brasileira contemporânea é rica, diversificada e interessantíssima, e não cabe na afirmação redutora de que se faz somente para os seus pares ou para os seus ímpares.
Há que se escrever para o leitor? Mas quem é ele? O leitor não é um dado a priori que determina autor e narrativa. No máximo, é possível tentar escrever para o leitor que somos. Tentar escrever aquilo que, enquanto leitores, gostaríamos de ler. O que não significa necessariamente agradar aos outros leitores. O que não parece válido é pôr na origem do processo criativo o desejo soberano de ser lido e compreendido, que periga comprometer a honestidade da voz do autor – justamente aquilo que o justifica enquanto autor.
Mas é fácil ser categórico. Confundir distribuição arbitrária de rótulos (isso sim um desserviço não só à disseminação da leitura mas à valorização do que se escreve no Brasil) com debate sério, que exige tempo, dedicação e generosidade.
Numa entrevista recente, Antonio Torres disse, com grande clareza: “Nós estamos vivendo um tempo tão curioso, em que o Brasil tem a sedução do estrangeiro. Nosso lado colonizado é forte. É forte demais. A gente vai ao Salão do Livro de Paris e temos, lá, um espaço de estima. E é assim na Alemanha e em qualquer lugar. Aqui, temos uma Bienal onde todos os espaços são para O livreiro de Cabul, O viado de Cabul, A puta de Cabul, O doido de Cabul, O baiano de Cabul. E mais trezentos autores brasileiros. O espaço para a gente é esse: E mais trezentos autores brasileiros.”
As distribuições de insultos que grassam nesse meio, azeitadas na blogosfera, parecem muito mais regidas pelos egos do que pela vontade de levar a cabo debates sérios. É preciso cuidado ao conferir ares de sabedoria ao que talvez não passe de ressentimento. Ou estratégia de marketing. Tão mais constrangedora quando nos damos conta (e é saudável fazê-lo), como disse Marcelo Moutinho, dessa “névoa que paira sobre o mundo literário, dando uma falsa impressão de importância a todos os que o integram.”
Um comentário:
E quem escreve prá quem?????
Eita nóis...
beijos
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