Todo mundo tem uma opinião sobre o manifesto contra a nudez no cinema e na TV, apresentado pelo ator Pedro Cardoso, na quarta-feira passada, no Festival do Rio.
Desde que ele afirmou -antes da sessão do filme "Todo Mundo Tem Problemas Sexuais", de Domingos de Oliveira- que a nudez "impede a comédia e o próprio ato de representar" e que ela vem sendo usada como recurso "para atrair público", o tema alimenta conversas entre atores, atrizes e diretores.
"Representar é se colocar nu. Essa postura de ator que renega o corpo me assusta. Achei tão moralista, tão absurda. É uma coisa retrógrada que, num certo sentido, avaliza a censura", diz o cineasta Carlos Reichenbach ("Garotas do ABC", "Falsa Loura"), em cujos filmes a nudez é comum.
"Conheço bem o Pedro Cardoso. Ele não é um moralista. A questão dele é política e trabalhista. Ele reclama da nudez como um apelo para ganhar dinheiro", afirma o cineasta Jorge Furtado, que dirigiu Cardoso em "O Homem que Copiava", no qual a personagem de Luana Piovani faz um strip-tease para o de Cardoso.
A cena é mostrada do ponto de vista de Luana. Ou seja, o que o espectador vê é a reação de Cardoso. "Aquele strip não precisa ser mostrado, mas precisa existir, para a [história da] personagem", afirma o diretor.
Furtado diz que "Pedro está exagerando bastante, mas é um exagero por um bom motivo, para se contrapor ao exagero que vem no sentido contrário --já que você não tem uma boa cena, bota alguém de calcinha e pronto, resolve".
O ator e diretor Hugo Carvana, cujo "A Casa da Mãe Joana", em cartaz, tem Cardoso no elenco e cenas de nudez de uma jovem atriz, diz: "É preciso que a nudez seja fundamental na trama, que seja importante a ponto de ser inevitável".
Carvana afirma que, "evidentemente, muitos filmes se aproveitam da nudez", mas teme que Cardoso tenha feito "uma generalização" inadequada. "Não sei se, no cinema brasileiro, toda nudez terá de ser castigada", diz, ressalvando que ainda busca entender o intuito do manifesto.
"Essas palavras não foram ditas por uma pessoa qualquer, mas por alguém que respeito como intelectual, como artista e como o homem ético que ele é", diz o diretor.
Vulgarização
A atriz Patrícia Pillar acha "muito bacana que isso parta de um homem inteligente, um artista como o Pedro".
Ela avalia que "há uma vulgarização, no audiovisual em geral, do nu ou da insinuação do ato sexual" e diz que "isso expõe pessoas que muitas vezes não estão dispostas a fazer [tais cenas] e acabam fazendo por uma situação de fragilidade".
"Nós, que estamos mais experientes, já conquistamos o direito de dizer não", diz Pillar. "Mas concordo com Pedro que esse é um direito que assiste não só a nós, mas a todos, inclusive as meninas de 20 anos que estão começando", afirma.
Helena Ignez, que, como atriz, já se despiu no cinema, e, como diretora, acaba de apresentar no Festival do Rio o longa "Canção de Baal", que traz atores e atrizes nus, afirma discordar da tese de Cardoso segundo a qual a nudez impede a representação, mas diz que "adorou" sua atitude.
"Ele está falando de pornografia. É muito sintético o que diz. Não é pequeno, provinciano. Deve ter vindo de uma verdade profunda. É surpreendente e inusitado, como ele, e uma defesa quase cômica das mulheres", afirma Ignez.
Namorada atriz
No manifesto, Cardoso deixa claro que o amor que sente pela namorada, uma atriz que ele não nomeia e que diz ver lutar diariamente no trabalho "contra a pornografia reinante", reforçou a preocupação antiga que ele tinha com esse tema.
Graziella Moretto, apontada como a namorada de Cardoso (ele não fala do assunto), está na atual novela das sete da Globo, "Três Irmãs", e rodou sua primeira cena de nudez no cinema em "Feliz Natal", dirigido Selton Mello (o suposto diretor atacado por Cardoso).
A Folha acompanhou as filmagens de "Feliz Natal" no dia em que a cena de nudez de Moretto foi rodada. Na ocasião, Mello contou que, nas folgas das filmagens, ele convidava toda a equipe para assistir, em sua casa, a versões prévias do filme, que ele mesmo editava.
O manifesto de Cardoso cita "sessões privês" para exibir a nudez de atrizes que "cineastas de primeiros filmes" realizam para amigos. E fala em "disfunção sexual" de diretores e roteiristas que promovem essas "cenas macabras". A Folha tentou ouvir Mello, sem sucesso.
Quanto ao aspecto trabalhista do manifesto de Cardoso, Reichenbach desafia: "Vai dizer isso para o Antunes Filho [do Centro de Pesquisa Teatral], vai dizer para o Zé Celso Martinez Corrêa [do Teatro Oficina]. Ele não trabalha. Ficará fazendo TV, numa limitação profunda de campo de trabalho". A Folha disse.
"É estúpido! Uma besteira, uma loucura, uma volta à Inquisição", reage Zé Celso. Para ele, "o melhor figurino que existe é o nu. Não é a roupa que faz a interpretação. Você pode, nu, fazer uma cena como um pudico, envergonhado, ou, ao contrário, um exibicionista".
O diretor do Oficina afirma que Cardoso, "que é um bom ator de comédia de costumes", tem "todo o direito de ter pudor e não querer ficar nu, mas fazer manifesto é coisa de velha, de tia". Antes de iniciar a leitura de seu manifesto no Cine Odeon, Cardoso avisou que era "muito inesperado" o que iria dizer, afirmou que não tinha a expectativa de "ser compreendido", mas esperava provocar "a discussão". Isso ele conseguiu.
fonte: Folha Online
14.10.08
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Um comentário:
Concordo com o Pedro. Sou fã de filmes clássicos e aproveito pra citar o exemplo de "Casablanca", de 1942. Nenhuma cena do casal principal passa de um beijo, porém há uma cena em que a Ingrid Bergman aparece com um chambre, o que pode fazer supor que eles tiveram relações. Ok, talvez eles só não tenham mostrado nada além disso por causa da censura da época, mas na minha opinião é perfeito. Os filmes não devem mostrar tudo. Onde fica a inteligência do espectador? Onde fica o subjetivo, o subentendido? Agora um outro exemplo: o filme "3 Efes", do diretor gaúcho Carlos Gerbase, acho que foi lançado no ano passado. Não consegui olhar até o final, pois mais parecia um pornô. Pergunto: pra quê isso? Será que é realmente necessário?
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