8.11.08

A maior lição de moral do ano

Estou sempre à procura de verdade e beleza. Normalmente sei onde encontrá-las. Há casas dedicadas a abrigá-las. Há veículos de mídia que as transmitem. E há pessoas que as incorporam nas suas visagens e vidas. Mas ocasionalmente encontro verdades profundas e belezas deslumbrantes em lugares inesperados. Como, por exemplo, num filme de super-herói.

Perguntei a um dos meus filhos se ele já havia assistido “Batman, o cavaleiro das trevas”. “Brilhante, nada menos que Shakespeare para os nossos dias”, disse ele. De fato. “Otelo” em Gotham City, ou algo assim.

Nutro admiração por roteiristas e diretores que não conseguem apenas entreter seus públicos. Não sabem trabalhar sem lidar com os elementos existenciais e espirituais que envolvem seus personagens e tramas. Neste filme, a estrela é o roteiro. É sobre a coreografia literária dos irmãos Nolan que Heath Ledger dança e inventa um dos personagens mais assombrosos do cinema recente. Inspirados na obra original de Bob Kane, desta vez os roteiristas conseguem agarrar até os cinéfilos mais enfastiados para revelar o destino trágico do pós-modernismo levado às últimas conseqüências.

As faces do mal são mais multiformes e complexas que a face do bem. Tolstói começa “Anna Karenina” assim: “Todas as famílias felizes são iguais, mas as famílias infelizes são infelizes cada uma ao seu modo”. Em “Quincas Borba”, Machado de Assis descobriu que “a moral é uma, os pecados são diferentes”. O diretor Christopher Nolan compreendeu tudo isto e preferiu apresentar a criatividade do mal - e suas sombrias motivações - sem nunca glamourizá-lo. A simplicidade do bem brilha claramente, mas quase sempre o caminho que leva a ele é rondado por ameaças e dilemas.

Todas as cenas contemplam o bem e o mal. Nolan volta sua atenção aos rostos dos personagens. Há rostos lindos desfigurados apenas pelas suas expressões, rostos transformados em semblantes transtornados como resultado da aplicação de maquiagem em leve demasia, rostos cobertos por máscaras de palhaço, rostos lambusados, rostos parcialmente cobertos e um rosto dividido por uma linha vertical que parece literalmente dividir o mal do bem.

Este “show” reluzente e violento sobre moral e ética se dá num fastuoso ambiente visual. Em perfeita sintonia com o mais recente código de ética visual dos diretores “sérios” de Hollywood, Nolan lançou mão dos efeitos especiais CGI apenas quando necessários. No papel de Batman, Christian Bale insistiu em fazer quase todas as cenas pessoalmente, inclusive as mais perigosas. Até a famosa cena do solitário cavaleiro na beira do edifício mais alto da cidade foi fotografada com o próprio Bale em cima do Sears Tower de Chicago.

Várias semanas após assistir ao filme pela primeira vez, ainda não consigo me ver livre dele. Seu tratamento do mal me lembra o redemoinho de pecados do qual nenhum de nós consegue escapar sozinho. Sua representação do bem me relembra que esta, sim, é fácil de encontrar; nós é que fingimos não vê-la.

Não se surpreenda se a maior lição de moral do ano procede não de um guru de auto-ajuda, nem de uma vítima de câncer que escreve seu último livro, mas de um cara torturado que vive dentro de uma fantasia de morcego.

Mark Carpenter, na revista Ultimato.

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2 comentários:

Cerestino disse...

gostei, mas gostei muuuuito!!!!

berna disse...

Tem filmes que são verdadeiros exemplos e nos mostram o que não queremos enxergar: a vida como ela é, neste mundo pós-moderno. Confesso que não assisti ao Batman, porque ainda luto contra certos pré-conceitos dentro de mim.

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