8.11.08

Ai meu Deus!

Não resisto, que me casse a carteira da crisma, posso ser excomungado, mas confesso que não resisto.

Talvez seja minha severa formação católica, a coleção de santinhas da infância, a precocidade da primeira comunhão, as punhetas no chuveiro, a antiga coluna de Carlos Nobre com tiras de mulher pelada no jornal Zero Hora, o fetiche por saias plissadas azuis, o fascínio pelo cheiro de vela e de orquídeas, tudo no liquidificador formando uma de minhas obsessões auditivas.

Despacho as proteções quando uma mulher solta um "Ai Meu Deus" intercalando seus gemidos. Largo as defesas. Chuto as sombras do lustre.

Eu me curo do que ainda nem sofri. Encontro a escada rolante dos céus. A nudez recebe seus estigmas - abençoada pelos seios.

Na mais alta luxúria, com os lençóis arrastados ao chão, no abafamento do corpo, o que ela pensa em soletrar ao apertar a mão com ferocidade?

"Ai Meus Deus".

A exclamação não surge no mercado, na loja, no trabalho, mas na cama.

No momento em que deveria aceitar o inferno, assobia para Deus, pede para que Ele se aproxime e ainda veja o que estamos fazendo. Muita safadeza para compreender numa noite. Com um simples impulso, a mulher nunca mais volta para si.

É uma contradição saborosa. Um paradoxo trepidante. Como se estivesse rezando para que o prazer não seja tão violento. Para diminuir a excitação. Para frear e doer menos na volúpia.

Nenhum macho tem preparação para se defender desse apelo místico, desse grunhido bíblico, dessa oferenda suspirada no fervor do pecado.

Há um backing vocal mais provocante?

Ao invés de urrar meu nome, ela martela a voz: Deus para cá, Deus para lá. Você se percebe um instrumento. Um transístor. Uma corrente do espírito do santo.

Não é mais sexo, é uma trepada mística. Um triângulo amoroso quase imperceptível.

E se prepare: será uma orgia quando, ao final, ela alternar freneticamente "Ai Meu Deus" com "Ai Meu Jesus".

Eu me converto.

Fabrício Carpinejar

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