22.11.08

Neuroses eclesiásticas (3)

Desconfiança?

Um terceiro sinal: o receio em relação à ciência, especialmente as ciências humanas, tais como a Psicologia e a Sociologia. O grande desenvolvimento da ciência moderna teve em seu princípio muita participação de cristãos. Eram pessoas que se dedicavam à maravilhosa descoberta das coisas, dos seres, do universo, em suma, a contemplar as fantásticas obras de Deus. Com o tempo, o espaço dado a Deus foi encolhendo, e hoje a ciência tem fama de ser quase uma inimiga de Deus.

As ciências humanas investigam nossas motivações mais profundas, os desejos diversos da alma humana, denunciando muitas incoerências que encontram, e a fé em Deus parece ser desafiada em todas as universidades (pelo menos é o que sentem muitos líderes cristãos). Felizmente, essa resistência tem diminuído, mas ainda persiste em grande parte do meio evangélico.

E por que o crente tem medo de consultar um psicólogo? Primeiramente, talvez, porque é difícil para todo mundo admitir que temos problemas, e mais ainda quando aprendemos (e ensinamos) a cantar que Jesus é a solução de todos os nossos problemas. Além disso, temos medo de que o psicólogo vá nos encorajar a abandonar nossa fé, a abandonar nosso casamento, ou a própria igreja, etc. Provavelmente, mesmo sem isso estar claro para nós, temos receio da psicologia - e da universidade em geral - porque talvez ela poderia desmascarar nossos cânticos, questionar nossas certezas, e denunciar nossa moral que tão custosamente pregamos aos jovens e adolescentes. Se estivéssemos mais seguros de que aquilo que cremos e pregamos é sem sombra de dúvida a verdade, não deveríamos ter tanta desconfiança, não é mesmo?

Na verdade, nossa dificuldade não é apenas com a psicologia, ou com as ciências humanas, ou mesmo com a ciência em geral. Temos grande dificuldade é em lidar com críticas. E isso só revela nossa absoluta falta de hábito de nos criticar, de praticar a auto-crítica. I Coríntios 11:31 diz: “se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados”. Quantas vezes você já ouviu um sermão
ou aula sobre esse texto? A crítica envolve a difícil tarefa de reconhecer erros, ouvir reclamações, parar nosso ritmo frenético de atividades e falas e se dispor a escutar, a refletir, a examinar, a criticar. A prática da crítica implica em aceitar, sempre, um certo montante de fracasso. E isso parece que não condiz com a postura de quem tem o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores a
seu lado.

Pasteurização?

Mas ainda há um quarto sinal de que as coisas não vão tão bem assim conosco: a qualidade de vida que levamos. Qualidade, não em termos econômicos ou de conforto material, mas de “qualidade viva” mesmo. Nossa vida evangélica, no dia-a-dia, poderia ser chamada de “pasteurizada” (dos leites em saquinho), ou então UHT: como aqueles leites de caixinha, nossa vida sofreu um choque térmico altíssimo, e ficou estéril, infecunda, sem muito brilho nem
muita cor. As pessoas de fora da igreja consideram o crente como “aquele que não faz isso, não participa daquilo, não prova aquiloutro”, ou seja, uma identidade negativa. O crente é visto como um ótimo funcionário, bom trabalhador, mas péssimo para se conviver, sem disposição de se sociabilizar.

Karl Kepler, psicólogo, pastor, professor de Teologia e presidente do CPPC (Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos).

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Um comentário:

berna disse...

Já fiz muito tratamento psicológico e psicanalítico. Ainda não parei para pensar se preciso ou não dos mesmos. Cada caso é um caso. Só sei que desejo se coerente comigo mesmo.Com todo respeito, não sei se é a Psicologia que vai me mostrar isso.

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