Saramago: Foi difícil, muito difícil. Não concluir o livro seria mau, mas pior seria morrer. Portanto, tratava-se de salvar a vida, embora as esperanças fossem quase nulas. Felizmente tive a sorte de encontrar no hospital de Lanzarote uma excelente equipe médica, pessoas ao mesmo tempo de uma grande qualidade humana. E havia Pilar com sua coragem, a sua determinação, a sua vontade de ferro. Como eu disse algumas vezes, ela agarrou-me pela gola do casaco e não me deixou cair ao poço.
De alguma maneira, esse período difícil se refletiu em A Viagem do Elefante? O livro mostra que o sr. não perdeu o bom humor.
Digamos que se refletiu ao revés. Em lugar do tom melancólico, mesmo desesperado, que seria de prever numa situação em que tudo parecia apontar a um desenlace fatal, foi como se a mente se me tivesse aberto mais. Reduzido a uma sombra de mim mesmo, fui capaz de manter diálogos vivíssimos com os médicos. Tinha relativizado a minha situação, esquecido de alguma maneira o corpo, uma vez que não podia fazer nada por ele, e dei largas, na linguagem, à imaginação que me restava.
No livro persistem, ainda, as farpas direcionadas ao Estado e à Igreja, que são características de sua obra. A Igreja Católica não trouxe nada de bom à humanidade?
As religiões, todas elas, nunca serviram para aproximar os seres humanos uns dos outros. Pelo contrário. E o catolicismo, neste particular, deu os piores exemplos ao mundo, basta que recordemos as torturas e as fogueiras da inquisição, essa associação criminosa cujos herdeiros ainda não pediram perdão às suas vítimas. Os crimes que desde sempre se cometeram em nome dos deuses são, como se dizia dantes, de bradar ao céu… Mas, como já deveríamos saber, o céu é surdo de nascença.
Como tem sido a experiência do sr. com a internet, com o blog? Tem valido a pena, estabeleceu-se a comunicação com os leitores que um blog supostamente traz?
Creio que tem sido positiva. E com um aspecto curioso que mostra até que ponto podemos ser contraditórios. Inúmeras vezes convidado a colaborar na imprensa, sempre me tenho negado, e agora eis-me a escrever grátis com a maior regularidade naquilo a que já chamei a página infinita de internet…
Foi muito marcante a sua reação emocionada à adaptação para o cinema de Fernando Meirelles de Ensaio sobre a Cegueira. Qual seria a grande qualidade que o sr. destacaria no filme?
O escrúpulo de Fernando em respeitar o espírito do romance sobre todas as coisas. Tudo no filme está posto ao serviço dessa preocupação. O que o sr. tem achado da recepção do filme no mundo? Creio que ainda é cedo para falar. Até agora tem-me parecido muito favorável, não obstante as incompreensões de certa crítica que diz que o filme é demasiado violento. Pelos visto esses críticos não costumam ver televisão. Leia +.
trecho da entrevista do escritor à Bravo.
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