Não há coisa que me pareça mais rara hoje em dia que a verdadeira hipocrisia. Tenho grandes suspeitas de que essa planta não suporta o ar doce de nossa civilização. A hipocrisia faz parte da época das sólidas crenças, em que mesmo quando se era forçado a exibir uma crença diferente não se abandonava a crença que já se tinha.
Hoje abandona-se ou não se adquire uma segunda fé, que é o mais freqüente, e se continua sendo honrado. É indubitável que nos nossos dias é possível ter um número maior de convicções que em outros tempos, e ao dizer possível quero dizer lícito, que equivale a inofensivo. Isso dá origem à tolerância.
Essa tolerância permite muitas convicções que vi em boa harmonia uma com as outras e que se livram muito bem (como fazem todos) de comprometer-se. Que é o que hoje compromete? O espírito de conseqüência, o seguir a linha reta, o não apresentar-se a um duplo sentido ou a um quíntuplo sentido, o ser verídico. Receio que o homem moderno seja demasiado acomodado para certos vícios, o que faz com que se extingam literalmente esses vícios.
Todo o mal que depende da fortaleza da vontade — e talvez não haja mal sem força de vontade — degenera em virtude em nossa atmosfera tépida. Os raros hipócritas que cheguei a conhecer imitavam a hipocrisia: eram cômicos, como o é hoje um homem em cada dez.
Nietzsche, em O Crepúsculo dos Ídolos [via O Templo Felpo]
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9.11.08
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