Quando afirma que não veio abolir a lei, mas cumpri-la, Jesus articula uma consequência lógica do seu ensino. O alvo da Lei é a paz entre os seres humanos. Em momento algum Jesus zomba da Lei, mesmo quando ela assume a forma de proibições. Ao contrário dos pensadores modernos, ele sabe que para evitar conflitos é necessário começar com proibições.
A desvantagem das proibições, no entanto, é que elas acabam não desempenhando o seu papel de modo satisfatório. Seu caráter eminentemente negativo, como bem observou São Paulo, provoca inevitavelmente o impulso mimético/imitativo de transgredi-las. O melhor modo de evitar a violência não consiste em proibir objetos [...], mas em oferecer às pessoas um modelo que os proteja das rivalidades miméticas, ao invés de envolvê-las ainda mais nessas rivalidades.
Com frequência acreditamos que estamos imitando o verdadeiro Deus, mas estamos na verdade meramente imitando falsos modelos de um eu independente que não pode ser ferido ou derrotado. Longe de nos tornarmos independentes e autônomos, entregamo-nos vez após outra a intermináveis rivalidades.
[...] Os não-cristãos imaginam que para se converterem devem renunciar uma autonomia que todos possuem naturalmente, uma liberdade e uma independência que Jesus quer arrancar deles. Na realidade, quando começamos a imitar Jesus descobrimos que nossa aspiração à autonomia levou-nos a nos dobrarmos continuamente diante de indivíduos que podem não ser piores do que nós, mas que são, no entanto, modelos prejudiciais, porque não somos capazes de imitá-los sem cairmos na armadilha das rivalidades, nas quais ficamos cada vez mais enredados.
Sentimos que estamos no processo de alcançar a autonomia quando imitamos nossos modelos de poder e de prestígio. Essa autonomia, no entanto, nada mais é do que o reflexo das ilusões projetadas por nossa admiração por eles. Quando mais essa admiração se intensifica, de modo mimético, menos conscientes nos tornamos de sua natureza mimética. Quando mais “orgulhosos” e “egocêntricos” nos tornamos, mais escravizados nos tornamos dos modelos que imitamos.
René Girard, em I See Satan Fall Like Lightning [via A Bacia das Almas].
30.12.08
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