30.12.08

Sem olhos em Gaza (2)

Governo de Israel troca vidas humanas por votos

“A atual coalizão de governo, liderada pelo Kadima, da chanceler Tzipi Livni, e pelo Partido Trabalhista, do ministro da Defesa, Ehud Barak, vinha sendo ameaçada pela ascensão nas pesquisas do ex-premiê Binyamin Netanyahu, do Likud. Netanyahu e seus potenciais aliados da extrema direita pregavam uma reação dura contra os lançamentos de foguetes de Gaza.”

Claudia Antunes não é a única a pensar assim. Li a mesma análise no Independent, jornal inglês com tradição na cobertura do Oriente Médio.

Então é isso. Não há uma opção estratégica em jogo, não há uma vantagem militar a ser obtida, não se pretende garantir a paz nem um pouco de tranqüilidade. Até o momento em que escrevo esta nota, já morreram 270 pessoas em Gaza, e perto de 800 foram feridas, porque o partido que está no governo de Israel corre o risco de perder eleições.

Quantos votos será que vale a vida de um palestino? Pelo cálculo dos marqueteiros do partido do governo, deve valer pouco. Pelos dados demográficos, a matança é uma barbada. A concentração demográfica em Gaza é tão intensa que é muito difícil jogar uma bomba por lá - e deixar de acertar alguém. Já andei pela cidade. São ruas estreitas, em casas de alvenaria, onde familias sobrevivem como podem. Há décadas não se via tanta violência. Desde a guerra dos Seis Dias que uma operação do Exército israelense não promovia tantas mortes num só dia.

Os ataques foram alvo de condenação internacional merecida. Algumas ressalvas devem ser feitas, contudo. A principal é que Gaza é hoje uma cidade governada pelo Hamas, organização terrorista que tem como plataforma de governo a destruição do Estado de Israel. Seus dirigentes adoram promover ações provocadores contra um inimigo que não podem vencer. Também são atos inaceitáveis.

Toda reação violenta de Israel ajuda a fortalecer o Hamas e enfraquece qualquer opção política negociada — alternativa que não interessa aos terroristas. O Hamas não se tornou governo através de um golpe de Estado. Seus dirigentes foram eleitos democraticamente, num pleito submetido a todo tipo de controle externo — o que não justifica suas ações mas dá uma boa idéia da visão que a população local tem do governo israelense.

O massacre da população civil não terminou, porém. O governo de Israel já fala em convocar um continente de reservistas, com 6500 homens, para uma eventual invasão por terra.
No livro “Eichmann em Jerusalém — Um Ensaio sobre a Banalidade do Mal,” Hanna Arendt faz uma reflexão muito atual.

Neste clássico sobre os regimes totalitários, ela analisa a máquina nazista que perseguia e eliminava judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Demonstra que o sistema não funcionava sob o comando de lideranças fanáticas, mas de burocratas interessados em cumprir seus deveres profissionais, agradar aos superiores e assegurar a sobrevivência.

Conduziam as pessoas à morte como se estivessem assinando uma ordem para mudar o trânsito num bairro, por exemplo. Foi assim, explica, que o nazismo matou 6 milhões de judeus, consumando o Holocausto, um dos grandes crimes da história da humanidade.

Há uma diferença essencial entre as duas situações: a população judaica não sustentava organizações terroristas. Mas há uma semelhança, também.

A base dessa violência do Holocausto não era o ódio. Era a indiferença pelos valores humanos - a começar pela vida de uma pessoa.

É o que se vê em Gaza, hoje.

Paulo Moreira Leite

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