6.12.08

"O novo Deus é fraco, crucificado, humilhado..."




E quem não gosta de ser desejado ou amado? No entanto, à força de ver o outro existir cada vez mais, à força de vê-lo tão forte, tão contente, tão satisfeito, à força de ver como o casal lhe vai bem, como o amor lhe vai bem, à força de o ver ocupar tão bem todo o espaço disponível, à força de o ver afirmar sua potência, sua existência, sua alegria, à força de o ver perseverar tão triunfalmente no ser, você às vezes sente diante dele como que um imenso cansaço, como que uma lassidão, como que uma fraqueza, você se sente de repente como que invadido, esmagado, transbordado, sente que você mesmo existe cada vez menos, que sufoca, que tem vontade de fugir ou de chorar… Você recua um passo? Na mesma hora ele avança o mesmo tanto, como a água, como os filhos, como os exércitos: ele chama a isso “seu amor”, chama a isso o “casal de vocês”. E de repente você preferiria estar só.
Deve-se citar uma última vez a perturbadora fórmula de Pavese em seu diário íntimo: “Você será amado no dia em que puder mostrar sua fraqueza sem que o outro se sirva dela para afirmar sua força.” Esse amor é o mais raro, o mais precioso, o mais milagroso. Se você recua um passo, ele recua dois. Simplesmente para lhe dar mais lugar, para não esbarrar em você, para não o invadir, não o oprimir, para lhe deixar um pouco mais de espaço, de liberdade, de ar, e tanto mais quanto mais fraco o sentir, para não lhe impor sua potência, nem mesmo sua alegria ou seu amor, para não ocupar todo o espaço disponível, todo o ser disponível, todo o poder disponível… É o contrário do que Sartre chamava de “o grandão cheio de ser”, em que via uma definição plausível do canalha.
Se aceitamos essa definição, que vale tanto quanto outra qualquer, devemos dizer que a caridade, na medida em que formos capazes dela, seria o contrário dessa canalhice de ser si mesmo. Seria como que uma renúncia à plenitude do ego, à potência, ao poder. Assim como Deus, que “se esvaziou de sua divindade”, escreve Simone Weil, e é o que torna o mundo possível e a fé suportável. “O verdadeiro Deus é o Deus concebido como não comandando em toda parte onde tenha o poder de fazê-lo.” É o amor verdadeiro, ou antes (pois os outros também são verdadeiros), o que há de divino, às vezes, no amor. “O amor consente tudo e só comanda os que consentem em ser comandados. O amor é abdicação. Deus é abdicação.” O amor é fraco: “Deus é fraco”, embora onipotente, pois é amor. É um tema que Simone Weil podia encontrar em Alain, que foi seu mestre: “Cumpre dizer que Deus é fraco e pequeno, e sem cessar moribundo entre dois ladrões pela vontade da mais insignificante polícia. Sempre perseguido, esbofeteado, humilhado; sempre vencido; sempre renascendo no terceiro dia.”
Daí o que Alain chamava de jansenismo, o qual, explicava ele, “se refugia num Deus oculto, de puro amor, ou de pura generosidade, como dizia Descartes; num Deus que só tem a dar espírito; num Deus absolutamente fraco e absolutamente proscrito, e que não serve, mas que, ao contrário, deve ser servido, e cujo reinado não chegou…” Ateísmo purificador, dirá Simone Weil, e, de fato, purificado de religião. O amor é o contrário da força, assim é o espírito de Cristo, assim é o espírito do calvário: “Se ainda me falam de Deus onipotente”, insiste Alain, “respondo que é um Deus pagão, um Deus superado. O novo Deus é fraco, crucificado, humilhado… Não digam que o espírito triunfará, que terá potência e vitória, guardas e prisões, enfim a coroa de ouro.
Não… É a coroa de espinhos que ele terá.”
(citado por André Comte-Sponville em Pequeno Tratado das Grandes Virtudes)

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