11.1.09

O sabor do perdão e do amor em Beleza e tristeza


Durante os poucos minutos que o trem esperou na estação antes de partir, Keiko manteve-se perto da janela. Vendo assim emoldurado o rosto da jovem, Oki pensou que sua beleza estava realmente no apogeu. Ele não conhecera Otoko na flor de sua beleza. Ela tinha dezessete anos quando eles se separaram, e ontem, ao revê-la, já estava com quarenta. Ainda era cedo quando Oki abriu, no meio da tarde, o pacote de Otoko. Era um sortimento de comidas típicas de Ano-Novo, além de bolinhos de arroz cuidadosamente modelados e que lhe pareciam traduzir os sentimentos de uma mulher. Sem dúvida alguma, a própria Otoko os tinha preparado em intenção daquele que, há muitos anos, destruíra sua juventude. Ao mastigar pequenos bocados de arroz, Oki podia sentir em sua língua e entre seus dentes o sabor do perdão de Otoko. Não, não era seu perdão, mas antes de tudo seu amor, um amor ainda bem vivo em seu coração. Tudo o que Oki sabia de Otoko, desde que ela passara a viver em Kyoto com sua mãe, era que tinha conseguido construir, por si mesma, um nome como pintora. Talvez tivesse tido outras aventuras e vivido outros amores. Oki estava convencido, entretanto, de que o sentimento que ela tinha por ele era ainda um desesperado amor de adolescente. Depois de Otoko existiram outras mulheres na vida de Oki. Mas ele estava certo de nunca ter amado nenhuma delas com um amor tão doloroso.

Trecho de Beleza e tristeza, de Yasunari Kawabata. Como pano de fundo para o triângulo amoroso construído entre Oki (escritor), Otoko (pintora) e Keiko (aluna de Otoko e também pintora), uma discussão sobre a arte, seus propósitos e sua beleza entrelaça todas as personagens. O tempo retratado é de ruptura e o abstracionismo começa a questionar a tradição que o antecede. Este novo paradigma traz profundas repercussões ao próprio modo de ser das personagens. Ou será que, ao contrário, as personagens, transbordantes desta incerteza questionadora, é que a trazem à luz em suas obras? Beleza e tristeza rendeu o Prêmio Nobel de Literatura a Yasunari Kawabata no derradeiro ano de 1968.

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