Dizem que a infância não passa de mera construção cultural. Na Roma Antiga, não havia idade mínima para o casamento ou para a admissão dos rapazes para a guerra. Na Idade Média, crianças de todas as idades trabalhavam na lida do campo em iguais condições que qualquer adulto. Vá lá. Mas não há como negar que foi uma das boas coisas que a cultura ocidental construiu para o bem da humanidade...
Minha infância foi construída por limitações, a bem da verdade. Havia as fronteiras impostas pela vida em um subúrbio carioca absolutamente periférico, em uma região que, à época, ainda era conhecida como Zona Rural do Rio de Janeiro. Também limitavam-me a escassez de recursos em uma família que se estruturava financeiramente a duras penas, a partir de duas histórias familiares igualmente marcadas pela carência de luxos e confortos. Mas foi uma infância de bons limites, de balisamentos necessários, de negativas bem aplicadas por meus zelosos pais - que jamais se perguntaram se era ou não importante me dar limites.
A invenção da infância justificou-se na História para que se respeitasse essa fase da vida em que ainda não se conhece o mundo e tudo é aprendizado - ou deveria ser. Determinando, assim, os primeiros anos de vida, tinha-se a intenção de salvaguardar o direito das crianças de crescerem em um ambiente de proteção até que possam caminhar pelos próprios pés e acumular experiências o bastante para pensar por si só. Recordando minha infância de limites, de respeito aos mais velhos e de sede de saber, de criatividade em meio à carência e adaptabilidade às condições menos favoráveis, confesso ter um misto de medo e pena das novas gerações.
Nunca a infância foi tão valorizada - seja por legislações que visam a proteger os menores ou mesmo pelo mercado consumidor que descobriu na ingenuidade juvenil o melhor ambiente para vender seus produtos. Mas nunca nossas crianças estiveram tão perdidas, vivendo em um mundo de possibilidades infinitas e quase nenhum limite. Esquecem-se os pais e mestres que a vida real é feita de frustrações e desenganos, e que preparar alguém para o mundo passa por ensinar também as lições da paciência, da resignação, da renúncia e do sacrifício, da superação da dor e do medo, da busca por alternativas quando o desejo não pode ser cumprido. Quando se tem tudo com facilidade em nossas mãos, distanciamo-nos de certa consciência do valor do trabalho - sobretudo do trabalho alheio. Sem empatia, morrem aos poucos os conceitos de solidariedade, caridade e compaixão.
Se a infância é, de fato, uma construção cultural, parece-me o momento de uma reforma urgente em nossos conceitos do que é ser criança. Ou corremos o risco de estar formando uma geração de tiranos, com nefastas conseqüências para o nosso próprio futuro.
Robertson Frizero Barros, no blog Locutório.
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