No último dia 7 de dezembro, dois acontecimentos inéditos marcaram a finalíssima da quarta temporada do Prelúdio, único festival de música erudita promovido por uma emissora brasileira de televisão (a Cultura de São Paulo). Pela primeira vez, apenas instrumentistas de sopro disputaram o prêmio máximo e um candidato venceu por unanimidade de votos. Com a imponência de seus 1,79 metro e 106 quilos, o eufonista Rafael Mendes subiu ao palco da Sala São Paulo, na região central da capital paulista, sob a desconfiança do júri, formado por quatro experts. "Sem chance! O cara está eliminado", pensou um deles, o crítico musical Irineu Franco Perpetuo, colaborador de BRAVO!, quando soube da peça difícil que o jovem de 23 anos iria interpretar tocando o inusitado eufônio. O instrumento da família das tubas, também conhecido como bombardino, surgiu no século 19 e é usado principalmente em bandas sinfônicas para fazer a harmonia ou algumas linhas melódicas, nunca os solos.
A suspeição do júri se justificava. A duas semanas da final, Rafael mudou seu repertório. Trocou Harlequin, do britânico Philip Sparke, um célebre eufonista contemporâneo, por Variações sobre o Carnaval de Veneza, do francês Jean-Baptiste Arban (1825-1889), uma obra virtuosística escrita para trompete. Na concepção de Irineu e dos demais jurados, se quisesse executar a peça de sete minutos e 30 segundos com exatidão, o rapaz teria de estudar pelo menos dois meses. Entretanto, antes mesmo de deixar o palco, Rafael já havia vencido, desbancando seus três concorrentes: uma flautista, um fagotista e um saxofonista. No meio da apresentação, o júri e alguns dos 40 músicos da orquestra que acompanhava o solista se olhavam, sem acreditar no que ele estava fazendo: respiração precisa aliada a muita concentração e improvisos que ressaltavam o sentimento e não apenas o virtuosismo técnico. "Rafael deu vida ao eufônio de uma maneira que não conhecíamos. Depois de escutá-lo, acho que nunca mais ouviremos esse instrumento como antes", diz outro jurado, o maestro e pianista Achille Picchi.
Foram 13 anos desde o primeiro contato com o eufônio até a vitória no festival, em que superou mais de 200 inscritos. Nascido em Americana (SP) — só porque, na época, a cidade de sua família, a também paulista Nova Odessa, não dispunha de um hospital para realizar o parto —, Rafael representa mais um daqueles casos em que o instrumento escolhe o instrumentista, e não o inverso. De família evangélica, aos 10 anos o garoto resolveu seguir os passos do irmão, que tocava trompete na igreja. Quis o destino, porém, que Rafael faltasse na ocasião em que os novatos escolheriam seus instrumentos para começarem a ter aulas. "No dia seguinte", recorda, "levei uma bronca do professor, que me disse: 'Só sobrou o eufônio. Fique com ele'."
Sem grandes fetiches por apresentações diante de regentes renomados em salas de concerto mundialmente conhecidas, o maior desejo de Rafael é atingir a excelência e o respeito alcançados por compatriotas famosos, como os pianistas Nelson Freire e Linda Bustani, o violoncelista Antonio Menezes e o trompetista Claudio Roditi. Titular da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, o músico deverá desfalcá-la no segundo semestre, quando desembarcará na Alemanha, onde o Instituto Goethe lhe ofereceu uma bolsa de um ano para estudar alemão como prêmio pela vitória no festival. "Ele ganhou o concurso porque tem uma musicalidade excepcional, e não porque toca um instrumento exótico", ressalta o maestro Júlio Medaglia, criador do Prelúdio. "Já está mais do que pronto para seguir uma sólida carreira internacional."
fonte: Bravo!
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