13.5.09

Com os pés e o coração na memória

Paloma Alonso desapareceu na madrugada de 30 de julho de 1977. Era militante da Juventude Peronista. Sei disso porque ela morava no prédio em que vivo hoje e, em frente à porta do edifício, no chão, há uma lajota com estas informações. Outras 150 placas de cimento similares estão espalhadas pela cidade, sempre com o mesmo texto: Aqui (viveu, estudou, desapareceu ou foi assassinado), o militante popular (nome da vítima), detido e desaparecido pelo terrorismo de Estado.

As placas são iniciativa do movimento Bairros por Memória e Justiça que reúne, desde 2005, grupos de direitos humanos de 20 bairros portenhos. São colocadas nos lugares em que os desaparecidos costumavam caminhar, viviam, trabalhavam ou estudavam. É um ato simbólico, mas como os desaparecidos não possuem túmulos, muitos familiares deixam flores nesses locais. No final de abril, o movimento lançou o livro “Baldosas x por la memória”, no qual são compiladas as biografias destas pessoas, bairro por bairro, com os seus retratos.

Cada vez que colocam uma nova lajota, os vizinhos recordam o desaparecido em um ato. Explicam quem ele era, porque o sequestraram, que atividades fazia e onde militava. Se a pessoa gostava de algum poema em especial, o lêem. As famílias registram tudo e compartilham imagens e emoções em blogs. Segundo organizações civis, mais de 30 mil pessoas desapareceram na Argentina durante a ditadura militar, de 1976 a 1983.
Foi em função da placa colocada na minha porta que fui atrás da história da Paloma. Descobri que ela nasceu sob o signo de Leão, com ascendente em Libra. Era filha do famoso pintor Carlos Alonso, e teve uma irmã, de nome Mercedes. Seus pais se separaram quando ela tinha 14 anos e, aos 18, Paloma foi viver sozinha. Nessa época, trabalhava como alfabetizadora em fábrica e vilas. Antes de morrer, conheceu Roma, conviveu com índios no Peru e ensinou crianças num jardim de infância. Teve um grande amor.

Paloma foi levada do prédio em que escrevo agora cinco dias depois de ter completado 21 anos. Os repressores arrastaram todas as suas coisas, entre elas um quadro de Che Guevara com a bandeira da Argentina ao fundo, pintado por seu pai. Em 1979, esse quadro apareceu em venda, misteriosamente, na galeria Renascimento. Omar Cáceres, amigo do pintor, ficou sabendo de sua comercialização e o recuperou. Mas manteve a obra em seu poder por pouco tempo. Uns meses depois, deu o quadro de presente à filha do comandante guerrilheiro, Aleida Guevara, que estava em visita por Buenos Aires. Hoje o quadro pode ser visto no Museu Che Guevara, em Santa Clara, Cuba. E Paloma não é mais apenas uma placa. Nem pra mim, nem pra vocês.

Gisele Teixeira [via Blog do Noblat]

Um comentário:

Anônimo disse...

PENSO QUE RELATOS COMO ESSE DEMONSTRAM QUE AS DITADURAS DA AMÉRICA LATINA DEIXARAM MUITAS FAMÍLIAS PARTIDAS E SIMPLESMENTE A PROCURA DE CORPOS DOS SEUS ENTES QUERIDOS PARA AO MENOS SEPULTA-LOS.

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