8.7.09

Farmácia santa

Todas as manhãs e tardes, voluntários circulam pelas alas da Santa Casa da Misericórdia de Avaré (SP) com carrinhos repletos de livros e revistas. Pacientes e acompanhantes podem escolher livremente o que desejam ler, com a oportunidade de se afastar do ambiente inóspito e viajar por outros lugares a cada página percorrida.

Ao ler sobre o projeto Carrinho da Leitura, me lembrei de uma imagem que usei em várias cidades brasileiras no final de treinamentos para funcionários de livrarias. Afirmei inúmeras vezes que as livrarias são como farmácias e que suas prateleiras contêm remédios para males variados.

A ilustração é boa, porém a “farmácia” se torna tristemente ineficaz quando a equipe não tem experiência e, por exemplo, indica uma simples aspirina para quem está com gastrite em estágio avançado.

Da mesma forma que o farmacêutico não precisa ter tomado todos os remédios que prescreve, funcionários de livrarias não devem alimentar a ilusão de que devem ler todas as obras do acervo. No entanto, é necessário que conheçam determinadas classificações para não provocar constrangimentos após uma recomendação equivocada.

Sempre frisei que a resposta à pergunta “posso ajudar?” na maioria das vezes é parecida com “só estou olhando”. Contudo, em algum momento o consumidor vai se sentir inseguro diante de tantas opções e pedirá ajuda ao funcionário. Quando ele falha nesta hora, provavelmente não terá uma segunda chance para se redimir.

Outro aspecto importante a ser lembrado é a necessidade de um mix de produtos abrangente e que contemple a diversidade de temas e de posições teológicas. Com exceção de livrarias de seminários e de igrejas, o proprietário não deve cair na tentação de tornar sua loja um prolongamento de suas crenças. Já vi muita gente bradar: “autores hereges como fulano e beltrano não entram na minha livraria”. No entanto, uma rápida espiada nas prateleiras mostrava que a bravata não podia ser levada a sério, tal o número de obras de conteúdo questionável.

Esse tipo de unanimidade não existe nem na medicina. Há quem prefira se tratar com homeopatia, outros com remédios naturais. Para muitos, a medicina chinesa e a acupuntura proporcionam excelentes resultados. Se servimos a um Deus multiforme essa mesma variedade deve se estender às opções de livros disponíveis na loja, lembrando que “o Vento sopra onde quer”.

Em grego, o termo homeopatia significa “cura pelo semelhante”. Da mesma forma, doses pequenas de veneno são usadas nos antídotos. Não ceda ao impulso de carimbar livros com rótulos de “placebo”ou “veneno”. Quanto mais lemos, aprimoramos não apenas a faculdade de discernir mas também nossas preferências literárias. Não abra o casulo antes da hora porque a lagarta não vai conseguir voar!

Cuide de sua farmácia com carinho. Aquele que operou milagre usando um elixir composto por saliva e terra certamente há de curar multidões por meio das obras comercializadas em sua livraria.

texto meu na última edição do Catálogo MW.

5 comentários:

Gustavo disse...

Simples e direto. Meus parabéns Pava, muito bom o texto.

Wellington Albertini disse...

Belo texto!

Leone Lacerda disse...

Alguém já disse que "A diferença entre remédio e veneno está na dose"

Thiago Mendanha disse...

Rapaz, e justamente ontem numa livraria percebi que ninguém sequer conseguia indicar um livro e não pareciam nem mesmo ter o hábito de ler; porque se tivessem pelo menos indicariam o que leram, estão lendo ou querem ler...

Lá só salva o dono que conheço e sei que tem domínio do conteúdo dos produtos e pode muito bem guiar o consumidor à uma escolha sensata e acertada...

... o problema é que são poucas vezes que o dono está no estabelecimento!

Anônimo disse...

Esse é o Pavarini que eu amo.
Tem dias que escreve coisas com tanta revolta que não parece o mesmo.
Fã anônima

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