11.8.09

Carrascos sutis

TENHO LIDO Philip Roth, graças a dois amigos, um de mais de 50 anos, comunista, outro de menos de 30, conservador. O primeiro sempre tentou me convencer de que seria essencial lê-lo -não sou fácil de ser convencido porque sou uma criatura de hábitos e por isso tendo a inércia, o que pode ser uma reação espontânea ao fato de eu desde criança achar o mundo um lugar hostil-, o segundo me presenteou com dois livros de Roth que foram os primeiros que li.

Roth escreve como homem. Hoje "escrever como homem" é raro, porque homens estão fora de moda (sim cara leitora, eu sei que você sofre calada com isso à noite, sozinha na cama). Sua letra, repleta de gosto pelo pecado, passeia como mãos por baixo da saia das mulheres, sem querer dar uma de sensível -como vemos no Homem Comum. Um erro crasso da mulher é confundir esta insensibilidade com falta de vínculo afetivo por parte do homem. Ler Roth para as mulheres é uma chance de vasculhar a sensibilidade dura de um homem que as adora.

Em O Fantasma Sai de Cena, Roth revela as dores do seu personagem Nathan Zuckerman definhando diante da velhice (a potência no homem é mais do que simples ereção mecânica e, ao mesmo tempo, é uma simples e miserável experiência mecânica).

Após narrar o horror da incontinência urinária em um homem que até ontem devorava mulheres 30 anos mais jovens, Roth salta para uma espécie de poesia rude do mundo na qual homens e mulheres sempre voltam à fúria dos elementos inorgânicos e, aí, descansam.

Em A Marca Humana, ele fala das alegrias diante da maior invenção da humanidade depois do computador, o Viagra -que aliás, fez mais pela humanidade do que 200 anos de marxismo.
O personagem principal será acusado injustamente de racista por alguns alunos negros vagabundos (junto de seus professores oportunistas), que se aproveitam da canalhice do politicamente correto para destruir uma vida dedicada à universidade e ao conhecimento. Mas um segredo terrível revelará o ridículo e o trágico dessa acusação (não vou contar, é claro).

A heroína feminina desse romance é descrita por Roth como aquele tipo de pessoa cujo olhar carrega o tédio que só a monotonia da infelicidade repetida mil vezes pode causar. O livro narra o amor improvável, graças ao Viagra, entre um homem de mais de 70 anos e uma infeliz de menos de 40.

No Animal Agonizante, Roth afirma que o maior ganho para o homem, na emancipação feminina, foi poder se libertar do eterno jogo da mulher frágil. Mas esta libertação, como toda libertação, pode ser fatal: pode deixar o homem só. A dependência da mulher é uma das coisas que mais dá tesão aos homens. E aí reside o perigo: elas sabem disso.

Ela sempre foi dependente (e não só financeiramente) e, portanto, uma escrava, sem grandes papeis além de filha, esposa, mãe, amante (ou seja, o tal segundo sexo). O problema é que esse quadro não tinha só uma escrava, tinha outro escravo. Nos termos de Roth, "os melhores entre nós, homens", aqueles que se sentiam culpados quando não mais queriam estar com suas mulheres, mas ainda assim permaneciam, porque elas eram de fato dependentes deles. Para os cruéis, isso nunca foi problema.

Com a emancipação feminina, o jogo se desmancha, e "os melhores entre nós" podem respirar e dizer "não quero mais você e não sou responsável por você nem pela sua vida, porque você é hoje independente". A emancipação feminina nos libertou a todos, pelo menos aos dois tipos de escravos: a mulher trancada entre a cozinha e o tanque e o homem asfixiado entre o escritório (porque deve sustentar a falsa fragilidade e incapacidade feminina) e uma cama habitada por uma mulher sem desejo.

Indignação (uma espécie de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" a la Roth) traz o terrível tema da paranoia como consciência aguda da fragilidade da vida.

Um pai açougueiro que intui desgraçadamente a autodestruição do filho de 19 anos através de seus micro-atos diários: uma irritação besta aqui, um exagero ali, um palavrão acolá. Nada mais aterrorizador do que o pior paranoico (seu pai) ter razão sobre seu destino trágico. O que a fuga de um filho do controle do pai (algo esperado) seguido por um simples sexo oral praticado em você por uma gostosa colega de faculdade no escuro de um carro parado na estrada (sonho de todo homem) podem fazer para te matar? Enfim, os detalhes e o acaso podem ser carrascos sutis.

Luiz Felipe Pondé, na Folha de S.Paulo.
dica da Marília Cesar

Leia +

Um comentário:

Chicco Salerno disse...

A feminização da igreja também é algo muito patente em nossos dias. Alguém aí já parou para pensar porque os homens detestam ir à igreja?

Blog Widget by LinkWithin