29.8.09

Meio presente

Não sou contra receber cuecas de presente. Que venha da namorada, da mãe, de amigas. Não ficarei decepcionado, não lamentarei os fantoches desajeitados da mão para satisfazer a ansiedade. Vale os pulos da respiração.

A cueca tem independência, sugere um momento especial de estreia, um cuidado, tem espaço próprio na gaveta.

Mas não tolero receber meia. Não é presente, é um insulto de pano.

Meia humilha o aniversário. Lembraremos do que faltou. Não é por nada que é categorizada como lembrança. Lembrança do tênis que não veio.

Dar meia é dizer que não tem dinheiro ou que o presenteado não merece seu dinheiro. Ambas afirmativas estão certas. Mas é insinuar algo mais grave: que ele não merece nem seu crédito.

É igual a considerar coxinha de frango como um almoço.

Meia é acompanhamento, deveria vir como brinde. Sou favorável a proibir sua venda em separado.

Meia é acessório. Uma falsa expectativa. Ai de quem pedir para embrulhar. Teremos mais trabalho em resolver a decepção do que em desfazer as dobras do papel. Meia é o cartão de visita do terapeuta.

Durante cinco aniversários, dos sete aos doze anos, meu avô paterno unicamente me oferecia meias. O papel-presente de palhaço justificava a escolha. Nem segurava direito, ainda recordo do pacote gelatinoso, informe, com o barulho irritante do plástico. Preferia que seu amor por mim fosse descalço.

- Acho que vai gostar, ele me apontava.

Como alguém pode afirmar que vou gostar de meia. Meia não se gosta, se perde. A meia some para testar nossa memória. Seus pares são uma indústria de divórcio. Não sei o que acontece na máquina de lavar. Mas nunca as meias voltam completas. Terminam solitárias. Casais são dissolvidos no Omo.

Coitadas, então, das brancas, condenadas a um swing interminável até surgir os primeiros furos.

Meia não se aposenta, morre subitamente no lixo.

A meia é uma luva no verão. Estranha, esquisita, é o que a gente já deveria ter antes de nascer.

Estava me acomodando com a teoria e desligando o computador, quando minha filha Mariana me telefona e pede pares de meia.

- Meias?
- Sim, pai, eu adoro meias, é meu presente predileto.
- Por quê?
- Com uniforme escolar obrigatório de cima para baixo, posso me diferenciar apenas pelas meias.

Meu avô deveria ter aguardado os bisnetos. Era muito evoluído para seu tempo.

Fabrício Carpinejar
arte: Philip Guston

Um comentário:

Chicco Salerno disse...

Melhor que um bom par de meias, só uma fantástica pizza meia-meia!

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