11.8.09

Minha disciplina pessoal + antiga

Minha disciplina pessoal mais antiga é escrever histórias. Escrevo desde muito cedo, e contar histórias foi para mim uma resposta muito natural a um mundo generosíssimo que cercou-me de narrativas desde o berço, maravilhando-me e calibrando-me continuamente através delas. Nas canções de ninar, na literatura, nos filmes e séries da televisão, nas novelas e desenhos animados, no cinema, no teatro e na ópera (mais ou menos nesta ordem) fui encontrando um universo que dançava ao meu redor oferecendo-se para contar uma história sempre que eu me dispusesse a parar para ouvir. Escrever foi para mim uma forma de retribuir esse desprendimento, aceitando ao mesmo tempo o convite para brincar.

Muito cedo intuí que o mundo era um lugar seguro, porque fui percebendo que em todas as culturas – entre chineses e piratas, açougueiros e siberianos, deputados e cangaceiros, cantores de ópera e assassinos, debaixo de todas as arquiteturas e em todas os idiomas – as pessoas se alinhavam nisso, no interesse de ouvir histórias e de contá-las.

A não-ficção sempre foi para mim um interesse secundário, atividade mais ou menos empolada e incompreensível, e esse parecer não mudou muito com o passar do tempo. Na verdade, comecei a escrever ensaios e dissertações porque gente como Lovecraft e Borges tratavam de misturá-los à sua ficção, e eu queria imitá-los (e continuo, como vivo dizendo, tentando).

Escrevo desde os sete ou oito anos, mas tudo que concluí até hoje foram histórias pequenas e contos curtos. Já investi em narrativas ambiciosas, algumas delas bastante complexas, mas não cheguei a concluir nenhum dos grandes romances que idealizo e esboço desde os treze ou quatorze anos.

Agora que penso nisso: Cândida, um dos contos pseudo-borgianos que escrevi antes de completar dezoito anos e que ninguém além de mim chegou a ler, começa com uma frase pomposa que eu sabia ser profética e acurada mesmo então: Nada é certo sobre o homem que tem muitas histórias para contar, a não ser que morrerá sem tê-las contadas todas.

Paulo Brabo, no A Bacia das Almas.

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