26.9.09

O terror no Éden

"ANTICRISTO", DE Lars Von Trier, é um grande filme. A acusação de sexista é típica da superficialidade que assola a atual crítica, antes de tudo por falta de repertório, no caso específico, repertório teológico. Von Trier não teme a patrulha ideológica. É preciso coragem para enfrentar o aniquilamento da inteligência levado a cabo por esses gestores da "mediocridade correta".

A ridícula irritação por parte de setores da mídia, cobrando do diretor uma justificativa, é um sintoma. Parte da teologia contemporânea é responsável por essa falta de repertório, na medida em que passou a ensinar uma salada de profetismo iluminista e marxismo espiritual, em detrimento da riqueza teológica de autores como Agostinho ou Lutero.

Além dos elementos que marcam o ambiente do mito da queda, a dedicatória feita ao cineasta-teólogo russo Tarkovski já é uma forte indicação da motivação teológica. Já em filmes como "Dogville" essa temática aparecia centrada na personagem principal, Grace, uma referência ao conceito cristão de "graça divina". O "filósofo" Thomas Edison Jr. (ele mesmo um canalha) pergunta aos seus concidadãos: "Por que somos tão ingratos?". Todo o comportamento dos habitantes da vila remeterá a essa ingratidão para com a boa Grace, ingratidão esta materializada nas torturas a que ela será submetida ao longo de sua via dolorosa.

O "Anticristo" é um filme sobre o mal. Com o mal não se brinca, respeita-se. Não se faz terapia com o mal, esse alerta aparece inúmeras vezes na boca da personagem feminina, que pressente sua tragédia. É ridícula a arrogância do marido diante do processo que está em curso na alma de sua mulher. O filme se abre com a queda do filho para a morte enquanto o casal goza deliciosamente. Ao final, saberemos que ela, de olhos abertos em meio ao orgasmo, vê o filho saltar para a morte, mas opta pelo orgasmo. Mas o que está de fato acontecendo com ela? Seria um "luto normal", como seu marido terapeuta supõe? Não, a morte do filho é a consequência e não causa de sua agonia.

Seu orgulho "científico" o impede, até a sequência final do filme, de perceber que ela não sofre "simplesmente" devido à morte do filho, mas sim pela descoberta do mal que a acometeu desde sua passagem no último verão, sozinha com seu filho, pela casa deles no bosque do Éden, e que sua "escolha pelo sexo" em detrimento do filho a despertou para o pesadelo. Foi esse mal que a levou deixar seu filho morrer. O desejo, habitado pelo mal, se torna uma máquina de tortura contínua, levando o mundo à "descriação" e à desordem.

Não é por acaso que um dos "capítulos" do filme se chama (fato descrito por um dos animais deformados no Jardim do Éden de Von Trier): "Aqui reina o caos". Como aparece no roteiro sua transformação numa personalidade habitada pelo mal? Além da opção pelo orgasmo em detrimento do filho e as terríveis torturas que ela causa no corpo do seu marido e no seu próprio, a descoberta que ele faz ao ler a carta do instituto médico legal após a autópsia do filho é a gota d'água. Os médicos identificam uma deformação nos pés da criança. E por quê?

Durante o último verão, ela deveria escrever sua tese, cujo tema era criticar a suposição medieval de que a maldade seria intrínseca à natureza feminina. Em vez disso, ela descobre que sua natureza era intrinsecamente má: "A natureza é o templo de Satanás", ela diz. Ela descobre o "prazer" de calçar os sapatos no filho invertendo os pés, e assim causar um enorme sofrimento à criança. Só diante das torturas a que é submetido por ela e dessa descoberta o marido muda de posição e percebe que deve levar a sério a fala de sua mulher: "Sou má". Não vou contar o final do filme.

Mas é importante saber que estamos diante de alguém que conhece a antropologia cristã, fruto de muita reflexão e não de mero blablablá ideológico. Pensamos que apenas o darwinismo descreve um cosmo feito de horror. Mas isso não é verdade. Há muito tempo que se sabe que o mundo pode ser um roteiro de horror.

O que Von Trier capta é a atmosfera que nosso casal mítico Adão e Eva experimentou após a queda. Não um jardim do Éden onde a natureza é essa criação romântica sem dor, mas uma escura câmara de terror, cheia de gemidos e solidão. A personagem feminina carrega em si toda a tragédia que é ter sido aquela que pressentiu o hálito do mal no mundo e em si mesma. Façamos silêncio em respeito a ela.

Luiz Felipe Pondé, na Folha de S.Paulo.

2 comentários:

Um Impostor disse...

então tá...
mas q o filme é ruim, é!!!

Thiago Mendanha disse...

a única coisa q gostei no filme foi a trilha sonora, que embala as cenas plásticas de angústia com a criança rumo à queda enquanto os pais transam solenemente, do ínicio da trama.

de resto, por mais que se prove a arte ou alguma mensagem importante - se é que há alguma - no filme, simplesmente não valeu a pena.

Lars Von Trier faz esse filme para curar-se da depressão e para tanto parece querer deprimir o público.

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