26.9.09

Um grande escândalo!

Estou escandalizado! Não sei qual foi a razão pela qual a notícia aterradora não teve grande repercussão. Acho intrigante que notícias sobre o último “caso” da Madonna tenham mais destaque e despertem mais o interesse do grande público do que o que realmente importa à raça humana. Quando vi achei que tinha entendido errado, mas não, era aquilo mesmo: em 2009 o mundo tem um bilhão de famintos. A notícia foi dada pelo Programa Alimentar Mundial da ONU. Daí pensei: bem, devem ser um bilhão de pessoas com alimentação insuficiente, mas não que passam fome. Não era. Estes que não se alimentam o suficiente são três bilhões. Um bilhão são famintos mesmo. Fiquei estarrecido. Só um terço da população mundial come bem todos os dias. Isso é um escândalo. Mas ninguém liga.
Nem aqueles que se julgam muito religiosos ligam. Boa parte destes está mais preocupada com coisas irrelevantes do que com a vida humana. Se escandalizam com coisas mínimas mas são indiferentes com a banalização da vida. Tony Campolo, pregador e escritor cristão, disse, certa vez, numa palestra para estudantes universitários, o seguinte: “Enquanto você dormia ontem, 30.000 crianças morreram de fome ou de doenças relacionadas a má nutrição. E mais, a maioria de vocês nunca ajudaram em merda nenhuma. E o que é pior: você está mais perturbado com o fato de eu ter dito ‘merda’ do que com a notícia de que 30.000 crianças morreram de fome na última noite”. Certamente muitos dos que leem esse texto, neste exato momento, também se perturbariam mais com um pastor falando “merda” durante uma pregação do que com a notícia de um bilhão de famintos no mundo. Coam um mosquito e engolem um camelo.
O que tornou a notícia ainda mais escandalosa é que Josette Sheeran, diretora-executiva do Programa Alimentar da ONU, disse que se fosse investido menos de 1% de tudo o que foi gasto para conter a crise econômica mundial, o problema da fome seria resolvido no mundo. Repito, menos de 1%.
E sabe o que é ainda pior? É que muitos de nós cruzam os braços, olham para os céus e dizem: “Deus quis assim, que seja respeitada a vontade de Deus”. Cinismo. Omissão. Pecado. Deus não quer isso. E já nos deu todas as condições para acabar com essa miséria. O mundo produz comida suficiente para todos. Nós é que não dividimos de modo equitativo. A culpa é nossa, não de Deus. O mundo prefere gastar trilhões para salvar o sistema financeiro do que alguns bilhões para erradicar a fome.
E não há “atos proféticos”, nem orações piedosas, nem qualquer outra prática litúrgica que dê jeito nisso. Enquanto as pessoas, em especial aquelas que se dizem cristãs, não perceberem que a solidariedade é um imperativo do Reino de Deus, as coisas não vão mudar. Enquanto acharem que escândalo é soltar um palavrão ou tomar uma cervejinha no fim do dia, os milhões vão continuar morrendo sob a mais diabólica indiferença do “rebanho”.

Márcio Rosa, na Folha de Boa Vista.

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