Jó não foi paciente, não. A leitura apressada do livro de Jó, e uma “tradição” sobre a “paciência de Jó", é que, juntas, criaram o mito da paciência de Jó. A enorme dor de Jó transbordou em palavras.
Muito interessante é o transbordamento de Jó em Jó 7,12, que, segundo Almeida, diz assim: “Sou eu o mar, ou um monstro marinho, para que me ponhas uma guarda?”. O verso anterior descreve a decisão de Jó de “abrir a sua boca”, ou, como bem diríamos hoje, de “botar a boca no trombone”: “não reprimirei a minha boca... falarei... queixar-me-ei...”. O verso 12, então, é o começo das queixas de Jó.
Que queixa é essa a de Jó 7,12? No Antigo Oriente Próximo havia o costume de se contar a Criação do Mundo como resultado da luta entre um deus e um dragão marinho. O deus luta contra o dragão marinho, mata-o, e o divide em duas metades. Com uma metade faz os céus, com a outra, a terra. Nessa terra, que é o corpo do dragão marinho, ficam as águas, que, no fundo, são o próprio monstro marinho. E, então para que as águas não inundem mais a terra, o deus cerca as águas com guardas. Enquanto estiverem “presas” (cf. Pr 30,4), a terra estará segura...
Jó se serve dessa tradição. Compara-se com o dragão marinho: “sou eu o mar, ou um monstro marinho?”. Jó está dizendo, com isso, que se sente mortalmente ferido por Deus, como mortalmente ferido pelos deuses da tradição foram os dragões. Jó se sente em pedaços, como em pedaços foram feitos os dragões. Jó se sente como se Deus o tivesse por inimigo e ameaça: “para que me cerques com guardas”. Jó não entende sua dor, e por que Deus lhe impõe tamanho sofrimento... E, não entendendo, se queixa!
Jó sente dor, e dor profunda. Jó sofre, e sofre muito. E Jó fala, e falará muito. Não há Teologia que dê conta dessa dor. Ao que sofre, só a sua solidão, e o seu desespero. Quem experimenta o sofrimento, na carne, na alma, sabe que só lhe resta falar com Deus, nas profundidades inimagináveis da garganta, e esperar, contra todas as convulsões do corpo, que haja um sentido na vida além da dor... Essa espera e esperança é fé.
Só mesmo uma fé profunda pode levar Jó a olhar para Deus e a dizer: “pensei que eu era seu amigo, meu Deus, mas pareço um monstro: por que me sofres tanto?”.
Por Osvaldo Luiz Ribeiro, em Ouvir o evento.
11.10.09
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