Eu encontrei minha cidade vocal: Concórdia.
Todas as minhas vergonhas fonoaudiólogas estariam resolvidas se vivesse aqui no interior catarinense. Rua é sempre lua, arara é alala, o sotaque perdoa os tropeços da língua.
Não sofreria censura, muito menos deboche. Metade dos traumas não produziria inconsciente. Aliás, o trauma viria a ser charme. Eu me vestiria de traumas para o baile. Seria considerado um italiano legítimo ao invés de um gringo de segunda categoria gramatical.
Mas não é unicamente essa característica que me fascina no município de 65 mil habitantes (ainda não me contando). Saí para comprar Diazepan, a insônia da poltrona do ônibus e do avião ameaçava a tranquilidade da cama. A igreja badalou meio-dia. Cumpri pernadas por lombas e travessas e não enxergava uma loja aberta. Um silêncio de portas que destoava do alarido da fome. Luto? Protesto?
Que nada, sesta! Até 13h30, o comércio fecha. Pontualmente. Sem recurso judicial. Não adianta parar na frente da vitrine e fazer serenata. Um minuto a mais das 12 horas e as cortinas de ferro são desenroladas. Poderia esmolar, inventar uma história inacreditável de pressa e urgência, argumentar que minhas crianças passam necessidade, esqueça, não serei convidado ao interior do estabelecimento. A sesta na cidade é inegociável. Os funcionários e gerentes vão almoçar em casa e dormir 30 minutos. O cochilo é obrigatório para manter a ordem e a paz pública. Um sinal de trânsito filial obedecido desde a auto-escola, indiscutível como respeitar a faixa do pedestre.
É o que perseguia e não desconfiava: a sesta na rede, a sesta no sofá, a sesta no meio do expediente para não me sentir acabado de noite, para ter mais paciência com a família, para não ofender ninguém pelo estresse acumulado. Atenderia ao telefone com calma e puxaria conversa com a televisão. Quantas brigas seriam evitadas?
O pequeno pedirá para brincar e aceitarei, o pequeno pedirá para que leia um livro e improvisarei uma bandeja de fábulas com o travesseiro. Não serei ofegante com as estrelas. Dormirei na escada-caracol do corpo da namorada, sem me indispor depois com os degraus das horas.
Eu transbordaria gentilezas e mimos, não esqueceria o dia do aniversário dos amigos, deixaria o sábado e domingo para não descansar e aprender marcenaria, não sofreria mais com o pouco espaço aos livros, não dependeria de favores da madeira, eu mesmo armaria estantes para o resto da vida.
Meia hora salva o casamento, mata a saudade do lar, abrevia a semana, diminui o tempo de serviço, recupera o humor.
Meia hora e temos duas manhãs num único dia, o café da tarde recupera o sentido, a preocupação enfrentará resistências, não colocaremos a mãe ou o pai num asilo, não demitiremos amigos por justa causa, maridos e esposas dispensarão os amantes, os motéis ficarão mais baratos, os gramados estarão cortados, os filhos farão a lição antes da cobrança.
A sesta é sindical. É o remédio que procurava. Para não mais me vendar com a tarja preta.
Fabrício Carpinejar
arte: Alfredo Volpi
28.11.09
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