14.11.09

A reinvenção do aforismo

Para Fabrício Carpinejar, tudo cabe em 140 caracteres – menos propaganda eleitoral. Inicialmente resistente ao Twitter, o poeta gaúcho aderiu e não se arrependeu. “Percebi que 140 caracteres são suficientes para sangrar”, afirma. E ele sangra em público, revisitando temas que o assombram e o inspiram: infância, paixão, suicídio, loucura, desordens do cotidiano amoroso e familiar. “Se eu perdi a razão, como vou reencontrá-la?”, inquire.

O resultado de suas inquietações pulverizadas na internet está condensado no recém-lançado www.twitter.com/carpinejar (Bertrand Brasil, 84 páginas), “o primeiro livro feito no Twitter no mundo, até que se prove o contrário”. Frases cortantes, frases adocicadas, frases de efeito, frases defeituosas. Faces múltiplas de um grande frasista contemporâneo, que sabe como poucos utilizar o idioma como performance. Eis o que pensa Carpinejar, o homem que diz não ter certeza se Twitter é literatura, “mas é ótimo para treinar epitáfios”.

No seu caso, o Twitter é a renovação do aforismo?
CARPINEJAR: Acredito que renova o aforismo. Perfeito ao desarmamento ideológico, preparar cama de gato aos preconceitos, conciliar malícia e lirismo, surpreender com a autocrítica. Quem teve uma vida longa e intensa não precisará de muito espaço na lápide para se justificar. Falamos demais quando queremos pedir desculpa. A culpa é verborrágica. A síntese é libertadora. Com um assobio, já lembramos da letra.

A fragmentação incomoda ou seduz?
CARPINEJAR: A fragmentação que é preguiça me incomoda. Gosto de ser inteiro no fragmento. Da coesão do detalhe. Da densidade que existe na simplicidade. Com um verso, podemos recuperar a vontade de sair de casa. O verso é minha tatuagem no sangue.

Quem são os grandes twitteiros da literatura?
CARPINEJAR: Millôr é um twitteiro fabuloso. Ele é o profeta da ferramenta, corre pelas águas de Copacabana. Não é por nada que ele é o autor da Bíblia do caos. Mário Quintana iria barbarizar com seu Caderno H. Assim como Caio Fernando Abreu, que faria bilhetes enternecidos aos amigos. Clarice Lispector sugaria todo o inconsciente coletivo em suas frases cortantes, epifânicas. Guimarães Rosa montaria um zoo de neologismos. Mario de Andrade teria sua correspondência reduzida pela metade. E ainda seguiria Nelson Rodrigues, Paulo Francis, Antonio Maria.

Brasília em 140 caracteres?
CARPINEJAR: Cidade de escrita transparente. O vidro também pode ser pichado pela luz.

ALGUMAS PÉROLAS:

"O pecado não me constrange, o que me constrange é explicá-lo”

“Literatura é educar para o avesso. Quando educa para o conhecido, já é sermão”


“Tire também a roupa de suas palavras”


“O poema é uma profecia fracassada: valoriza o que não aconteceu”

“O tédio é uma tristeza que não sonha”

“O Twitter é um torpedo que a gente manda a si mesmo. E vai respondendo”

fonte: Correio Braziliense

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