24.2.10

O tigre confessa

Alguém dizia que o golfe é a forma mais cara de jogar ao berlinde. Concordo. Golfe? Não faz parte das minhas preocupações. Tiger Woods, sim: o génio do rapaz merece um minuto de atenção. O minuto de atenção que dedicamos ao talento natural, com admiração sincera.

A minha admiração por Tiger Woods acabou. Por causa dos múltiplos casos extraconjugais? Não sejam ridículos. O problema não está nos casos; está na confissão pública de Tiger Woods a semana passada, um espetáculo pornográfico a que assisti com vergonha alheia e própria. O que era aquilo?

Aquilo, escreve Rod Liddle no "The Sunday Times", é uma reactualização dos julgamentos sumários promovidos pelo regime estalinista na década de 1930. Touché! A expiação pública de "pecados privados" (aberrante categoria) sempre foi uma forma particularmente indigna de destruir um ser humano.

Mas relembremos a história: Woods, apesar de cultivar uma imagem de recato familiar, tinha uma vida de Casanova. O problema, se de um problema se trata, seria assunto para resolver com a sra. Woods. Em casa. Em privado. Longe da rua.

Agentes do atleta, publicitários e outros jornalistas avulsos discordaram: o mundo gosta de uma boa confissão porque o mundo sente que uma figura pública pertence, precisamente, ao público.

Woods apareceu: entristecido, lacrimejante, a prometer redenção através da terapia e do budismo. No final da confissão, em sequência de fazer tremer os Himalaias, a mãe foi chamada ao palco e os dois abraçaram-se em gesto de reconciliação familiar.

Nos dias seguintes, o mundo discutiu seriamente a confissão de Woods. Teria sido genuína? Teria sido fabricada? Melhor: teria enterrado o caso?

Curiosamente, no meio desta orgia miserável, nenhum dos inquisidores se olhou ao espelho para questionar a natureza indigna das suas próprias observações. Não o fizeram agora. Não o fizeram meses atrás, quando David Letterman confessou no "Late Show" pecadilhos iguais. E não o fizeram nunca porque se instalou a ideia sinistra de que a privacidade é um luxo. "O pequeno Hitler que existe na cabeça de cada um", afirma ainda Rod Liddle, não tem descanso quando existe cheiro a sangue.

Mas será a privacidade um luxo? E estarão as "figuras públicas" interditas a esse luxo?

Não se iludam. A privacidade; a existência de um espaço meu e dos meus, onde a multidão não entra, é talvez a maior conquista da civilização judaico-cristã. Destruir essa barreira sempre foi e sempre será o princípio da tirania.

João Pereira Coutinho, na Folha Online.

8 comentários:

Claudia Freitas disse...

Esse falso moralismo americano me dá nos nervos.

Roger disse...

Infelizmente, já faz tempo, 'o circo está armado'...

Antigamente eram os imperadores que promoviam o 'circo e o pão'...

Hoje parece ser a mídia... e pra ela nem o pão é mais necessário...

Mas o circo, esse nunca tem fim, enquanto houver público...

Mas todos saem ganhando, não é?

A 'plebe' com a diversão, os 'gladiadores' com a aparição, e os 'imperadores'... de todas as formas.

Gսstav໐ Frederic০ disse...

E não é circo que o povo quer? Não é o sensacionalismo? (O travesti que casou com a sapatona, a criança de duas cabeças, o 'resvalo moral' de Fulano, etc) A estigmatização do outro é sempre mais fácil do que a empatia compromissada.

Dio disse...

O povo sempre irá querer panis et circensis...

Simplesmente Tininha disse...

Tudo que é podre o "povo" gosta... daí o sucesso! =(

Maya disse...

Na época do escândalo do clinton, eu lembro que não conseguie entender o motivo da fuzarca toda. Eu era adolescente e nada daquilo fazia sentido pra mim. Cheguei pro meu pai e perguntei se ele e a Lewinski eram cúmplices em alguma roubalheira. Ele disse que não, que ele era casado e tinha transado com a tal Monica. E eu perguntei, com cara de ponto de interrogação: "e o que a vida pessoal dele tem a ver com o trabalho? Pq tá todo mundo se metendo na vida do cara? Só pq ele é infiel ele é um mau presidente?"

Resposta de meu pai: "se ele não consegue ser fiel à esposa, como vai ser fiel ao país?"

E essa resposta fez ainda MENOS sentido pra mim.

Dio disse...

Maya, o problema do Clinton foi ter mentido para o País todo. Isso o País não conseguiu perdoar. A Hilary sim, a Nação, jamais...

Maya disse...

FINALMENTE uma resposta que faz sentido pra mim! ^^ Valeu, Diógenes!

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