2.3.10

Não sou seu porta-voz

Não piso numa livraria evangélica há talvez mais de quinze anos; hoje em dia a chance é ainda menor, agora que corro o risco de encontrar ali – imagine a minha cara – o meu próprio livro. Já basta o constrangimento de achar o livro da Bacia espreitando invariavelmente na estante de autojuda das livrarias seculares.

Agora que penso nisso, deve fazer uma boa década que não leio livros QUE FALEM SOBRE DEUS. Só consigo pensar em duas exceções, o Ortodoxia Generosa de Brian McLaren e o Salvos da Perfeição de Elienai Cabral Júnior – e, embora sejam livros excelentes (e falem sobre Deus apenas transversalmente, o que é quase perdoável), quase me arrependo de tê-los lido, porque lê-los é obrigar-se a recomendá-los, Eu não leria os meus próprios livros.e ninguém em hipótese alguma deveria recomendar ou ler livros QUE FALEM SOBRE DEUS, muito menos – e acima de todos – os meus.

Preciso confessar então, com todas as letras, que eu nunca jamais leria os meus próprios livros, nem por dinheiro, nem por amizade, nem – Deus me perdoe – por amor. Em termos estritos, se rolasse uma verdadeira integridade pessoal, eu não teria sequer como recomendar meus livros de modo indireto, como vivo fazendo, ou permitir que circulassem. A única parcela da minha obra da qual não me envergonho miseravelmente, e na qual encontro algum alento e interesse, é a ficção, e vivo prometendo a mim mesmo dar mais atenção a ela. Mas vida de ex-dependente é assim mesmo: sempre resvalando nos velhos hábitos, sempre remoendo as velhas obsessões. Todo combate tem uma grande parcela de narcisismo.

Para corrigir o anterior, preciso esclarecer que sim, leio livros que falam sobre Deus, com frequência e em grande número, mas tratam-se de autores que não acreditam em Deus ou no mínimo desconfiam muito – e estão, portanto, muito mais abalizados para discorrer sobre o assunto de forma relevante e não tendenciosa.

Deixo então, acima de tudo, esta recomendação e a severa advertência: se você, caro leitor, costuma ler livros QUE FALAM SOBRE DEUS, largue imediatamente mão dessa vida. Reconheceça essa sua dependência, segura na mão de Deus e vai. Ler livros QUE FALAM SOBRE DEUS é uma forma secreta de impenitência, um modo sistemático de contornar e evitar o verdadeiro e vital arrependimento. Acredite em mim quando digo que as pessoas que têm alguma intimidade com Deus não estão perdendo tempo escrevendo sobre ele; paralelamente, quem conhece minimamente os recatos e métodos de Deus absolutamente não perderia tempo procurando-o num livro – especialmente um livro que pretendesse falar com alguma autoridade sobre ele1.

Se continuo escrevendo, portanto, não é pela esperança de encontrar alguém que entenda ou alguém que se deixe convencer. Não é para cumprir uma missão ou obedecer um chamado. Não é por imaginar que o que escrevo possa ser relevante para alguém além de mim, ou por crer que seja a aguardada articulação de uma silenciosa ânsia coletiva.

Posso ser muito prepotente, quase ao infinito, mas não a esse ponto. Não sonho ser representativo de ninguém além de mim mesmo.

Já fui muito igrejeiro, mas hoje minha abstinência eclesiástica é para todos os efeitos completa.

Já me considerei evangélico, mas hoje não sei se seria acertado dizer que compartilho da fé cristã; mais certo seria usar uma tradução antiga e dizer que, depois de muitos anos tentando evitar olhá-lo nos olhos, vi-me seduzido pela persuasão de Jesus.

Leio a Bíblia muito pouco, a ritmo de conta-gotas, e minha versão favorita, por ser a mais desarmante e portanto a mais acurada, é a Bíblia dos gatos rsrs – e talvez seja necessário me conhecer pessoalmente para não ter dúvida de que estou falando sério.

Já fui explicado como ateu, como homossexual e como católico. Não me ocorreria contradizer nem por brincadeira essas definições, especialmente porque representam acusações nas bocas em que foram proferidas; minha obrigação é acumular brasas sobre suas cabeças, para que ardam no seu inferno por pressuporem a exclusão e por condenarem o que não deve ser condenado. Pecar não é afrontar a ortodoxia de alguns, é mostrar-se em falta para com a humanidade de todos.

Embora não tenha abandonado ainda a esperança de me tornar agente daquela transferência que Paul Tournier coloca no cerne do ministério de Jesus e à qual deu o nome de reversão da culpa – a tarefa de fazer com que os culpados sintam-se justificados e os justificados sintam-se culpados, – não me resta a expectativa de mudar a vida de ninguém, muito menos a minha. Certamente não através do que escrevo.

Não represento, caro leitor, o que você representa; represento o que represento, e temos de lidar com isso eu e você.

Existindo um Deus, ele não tem ilusões e sabe que não sou porta-voz de Deus (certamente não através do que escrevo). Não acalente você, meu amigo, essa ilusão.

NOTAS

  1. Naturalmente uma espécie semelhante de abstinência deve, mais cedo ou mais tarde, estender-se às próprias Escrituras. Eu mesmo li muito a Bíblia e passo a vida tentando esquecê-la, na esperança de ser capaz de colocá-la em prática (para mais sobre esse gracioso escândalo ver o último capítulo da versão impressa de Em seis passos – e eis-me de novo recomendando o irrecomendável).

Paulo Brabo, no A Bacia das Almas.

17 comentários:

Anônimo disse...

Num momento em que a desilusão tomou conta de céticos e crédulos. Nada melhor do que mais um autor que se diz "cansado de tudo".
Posso dizer uma coisa senhor "Brabo", você ganhou pontos no conceito dessa moçada que prefere desistir de tudo do que mudar o esquema.
Diz a profecia que a contramão do sistema religioso um dia será o retorno ao principio de tudo.Quando a fé, e somente ela importará(afinal não há nada de novo debaixo do céu).
Fé para ler a biblia.
Fé para congregar (e pra isso haja fé).
Fé pra continuar afirmando e vivendo a idéia de que "Jesus Cristo é o Senhor".

Diogo Bochio disse...

"Se continuo escrevendo, portanto, não é pela esperança de encontrar alguém que entenda ou alguém que se deixe convencer. Não é para cumprir uma missão ou obedecer um chamado. Não é por imaginar que o que escrevo possa ser relevante para alguém além de mim, ou por crer que seja a aguardada articulação de uma silenciosa ânsia coletiva."

Ele precisa ler "Um blog com propósitos" de Rick Warren kkk

Eu saquei, mas não entendi o porque ele escreve (não estou criticando) só achei que ele fosse escrever algo com "escrevo porque ...."

Anônimo disse...

A grande verdade é que mais vozes se levantam para dizer que o movimento evangélico não dá mais. O Gondim vem afirmando isso. Quem pode criticar o Brabo por não colocar os pés numa livraria evangélica? Pra quê? Ver paredes forradas de CDs horrorosos? Ler livros que só fazem sentido para o grupinho dos crentes? Contaminar-se com o espírito belicoso que trata o próximo como maldito?
Valeu!

Diogo Bochio disse...

Juro que o ultimo post anonimo não fui eu!!! kkk

Adriana Neumann disse...

O post anônimo também não é meu, mas bem que poderia ter sido!

Afinal, eu ando com uma certa repulsa a tudo que tem o nome "evangélico" e, pior, "gospel".

Confesso que já virou até preconceito, mas cansei do circo, entende?

Dio disse...

O posto anônimo fui eu.

Ah, foi não.

Fui eu sim... foi não!

(Ah mas poderia ter sido!)

Ando como a Adriana - preconceituoso. Mas se assim não o for, aceitaria tudo e viraria um idiotinha evangélico - soltando frases como "Deus vai estar te abençoando" (maldito gerúndio, até nisso o pessoal copia os americanos) e que benção, aleuias, e por aí afora.

Pela estrada afora eu vou bem sozinho...

Chicco Salerno disse...

Às vezes, quem escreve escreve apenas para dialogar consigo mesmo outras vezes para conversar com seus fantasmas interiores, poucas vezes para leitores ou por um grande razão transcendente-filosofal.

Ler materiais densos como os que o Brabo escreve pode exigir mais sensibilidade que a comumente usada pois requer ir e vir no texto perguntando-nos se o que estamos lendo e entendo são as mesmas coisas. Esta tentativa de harmonização, dos textos dele com o que já apreendemos ao longo de outras leituras, pode ser frustrante mas nem por isso seus textos deixam de ser o que são: questionadores, desafiadores.

Anônimo disse...

O negóéoseguinte:Os evangélicos se tornaram piada pronta no Brasil. O que acho esquisito é eles não se tocarem. Ficam com aquela cara de madrinha em dia de batizado e acham que todo o mundo leva eles a sério! Valeu o texto!

José Geleilate Neto - Zeca disse...

Ainda bem que você não e o meu por ta voz.
Apesar de gostar muito do seu modo de escrever
E também já estou cansado de ler coisas tipo " vou caminhar sozinho, e grupinho dos crentes "
bora que a fila anda

André L. disse...

Compartilho da repulsa da Adriana. Cansei do circo. Fiquei um ano sem ir à minha igreja, pois estou morando em outro estado. Daí quis ir nesse domingo... fiquei sabendo que Marcos (in)Feliciano estaria pregando lá. Preferi ficar em casa. Apenas queria rever os amigos, dar uns abraços, matar a saudade. Mas o circo devia estar pegando fogo... e com os bombeiros jogando gasolina rsrs

Gabriel Moreira disse...

O caso do Paulo é Brabo...
Mas sem brincadeiras, acho que ele tá sendo honesto e está dizendo, em outras palavras , coisas que eu tenho pensado - será ele meu porta-voz?rsrs. Não é porque me considero reformado, ou emergente na fé, que tenho o direito de ser um cristão pós-moderno e criar minhas próprias proto-ortodoxias para que outros sigam, sendo porta-voz de alguns. Isso um dia também será retrô e ortodoxo.
O negócio é viver, e não escrever.

Zé Américo disse...

Como o próprio Deus nos diz..." NÃO JOGUEM MINHAS PÉROLAS PARA OS PORCOS"...ou seja, não vou gastar minhas saliva e tempo com os filhos brabos de satanás. FUI.

Diogo Bochio disse...

"NÃO JOGUEM 'MINHAS' PÉROLAS PARA OS PORCOS"

"minhas saliva"

WTF??

Izaias Duraes disse...

Confiar em Deus e em sua Palavra é algo indizível, senhores. Somente aquele que se esvaziar da arrgância e prepotência é que pode sentir o quanto Deus é bom e misericordioso. A Bíblia diz que Deus resiste ao soberbo e dá graça ao humilde.

Sejamos gratos a Deus, pois em que pese nossa incredulidade, contudo ele tem nos sustentado.

um abraço fraternal

Izaías Durães

Izaias Duraes disse...

João Eduardo, a Bíblia conta a história de Onésimo, um escravo, que cansado de tudo, resolveu fugir de seu senhor e em sua fuga ele encontrou-se com Deus na pessoa do apóstolo Paulo que falou a ele sobre o SENHOR JESUS, onésimo creu em Cristo e tornou-se uma pessoa livre. O que o homem precisa é encontrar-se com Deus.

Jesus disse: "e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará".

Ele disse mais: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai senão por mim."


Em Cristo Jesus.

Izaías Durães

Rinaldo disse...

Nota 10 para o Brabo pela sua forma franca de encarar as desventuras do evangelicalismo e fazer-nos questionar as nossas próprias. Porém, pela mudança de vida que tem causado em muitas pessoas (mesmo aquém do esperado), ainda acredito que a igreja mereça ser cuidada e restaurada, coisa que o Brabo faz (sem intenção)ao questionar nossa religiosidade.

afonsomfneto@hotmail.com disse...

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Uma vida sem Jesus, é uma vida desgraçada
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