7.3.10

O que não quero mais

Tem gente perguntando se perdi a fé em Deus. Não! O que perdi foi a fé na idéia que eu tinha de que Ele existe para consertar a minha vida. Minha espiritualidade, descobri bastante envergonhada, sempre foi uma tentativa de convencer Deus a mover o universo a meu favor.

Há muitos anos li uma tirinha em que o Pateta da Disney dizia: “À minha frente tenho o norte, atrás de mim está o sul. À minha direita está o leste e à minha esquerda está o oeste. E daí? E daí que eu sou o centro do universo!”. O que para mim não passava de uma boa piada, de repente revelou-me a mim como um espelho. O centro era eu.

Aumentadas sempre em escala logarítmica, minhas necessidades cerraram-me os olhos para a busca do próprio Deus. Alimentada por discursos inflamados de pregadores cuspindo promessas e garantindo favores em nome de Javé, minha fé individualista cegou-me para a beleza da mensagem e do exemplo do Cristo: tudo nele apontava para o Pai. Ele sequer ousou dar testemunho sobre si mesmo. Também não ordenou que anjos o descessem da cruz. Pois quero abrir mão de uma religiosidade que tente convergir céus e terra a meu favor. Sei que não será fácil, nem rápido, nem indolor.

Há momentos em que é preciso coragem para dizer: "Meia volta, volver!". Duvidar, voltar, rever, repensar, nada disso deveria ser considerado covardia ou insanidade. É preciso coragem e coração tranquilo para negar os já tão cristalizados modelos escravizadores. Jesus, nosso Mestre a quem deveríamos imitar, é a chave para abrir as algemas de uma espiritualidade rasa e individualista. Nele é negada toda idéia de que Deus existe para satisfazer nossos desejos e transformar seus seguidores em homens e mulheres poderosos, ricos, bonitos e bem-sucedidos na vida.

O carpinteiro de Nazaré não se encaixou no modelo de messias que Israel esperava: não os libertou do poder de Roma, não acumulou riquezas, não obrigou ninguém a segui-lo nem teve ataques de megalomania. Ainda assim, marcou para sempre a história da humanidade. Seus ensinamentos, sua candura e sua capacidade de amar e compadecer-se foram suficientes para que homens e mulheres de todas as gerações seguissem seus passos com beleza, mesmo quando atingidos pela mais excruciante dor. De todos os testemunhos que ouvimos, os mais transformadores não são os que apontam para salvamentos, mas os que ensinam o viver corajosamente - lembrando sempre que a coragem sem medo não é coragem, mas sandice. Prossigamos então com simplicidade, brandura e bravura.

Diante da pergunta se Deus não opera milagres, afirmo que a questão deveria ser outra: Eu devo depender dos milagres para ser amiga de Deus? Contudo confesso, sem me punir, que não sei como alcançar esse patamar de desprendimento. Só sei que é o inverso do que eu andava vivendo e reconhecer isso, embora não seja suficiente, liberta-me para novas descobertas, com a promessa de que Ele ceará comigo todos os dias e me amará eternamente, ainda que boa parte dos cristãos me tenha por herege porque me recuso a acreditar que Deus seja salvador apenas de mim e deles e do nosso umbigo e do nosso gueto.

Ana Cristina Mendes Gontijo, no Notas de aprendiz.

13 comentários:

Anônimo disse...

Como a gente diz aqui em Floripa: "matou a pau"! Traduzindo: ótimo texto!

Abraço.

REINALDO RODRIGUES disse...

Tenho uma grande convicção que cada dia se transforma em uma grande alegria, cada vez mais e mais pessoas tem seus olhos abertos "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" e passam a enxergar que deixaram a escravidão do pecado e tornaram-se escravos de um evangelho pobre e medíocre que inibe a liberdade de pensar diferente e de viver o evangelho como ele é.
Parabéns por sua ousadia.

Chicco Salerno disse...

Deus não desce dos céus para pagar duplicatas e nem cartão de crédito de quem quer que seja. Experimentem orar e não correr atrás e vejam o que acontece...

O Evangelho não é fuga, o Evangelho é a revelação de que Deus se fez homem, habitou entre nós, como um de nós, enfrentou a vida e sofrimento para depois ser recebido em glória. O pseudo-evangelho que afirma ser possível viver em glória sem aceitar a vida tal e qual ela é, com seus altos e baixos, é o evangelho da frustração, um evangelho que tenta colocar ordem onde predomina o caos.

O único que consegue colocar em ordem o Universo e o nosso universo é o Senhor. No primeiro caso, Ele não precisa de ninguém para nada, no segundo caso, Ele espera que cada um de nós faça a sua parte, tente antes, experimente antes, para então Ele fazer a parte dele.

Ele nunca fará o que compete a cada um de nós seres humanos.

Edson Bueno de Camargo disse...

Como seria mais fácil ao mundo se todos tivessem esta tomada de consciência.

O quanto a natureza seria poupada e não teríamos o amargor da intolerância se todos percebecem que quem se acha o centro do universo é o Pateta.

André L. disse...

Eu li e reli esse texto ontem umas 4 vezes... não fui à igreja (porque não tem me acrescentado em nada, infelizmente) mas essas palavras valeram mais do que eu ouvi em um ano de pregação. Me fez tremendamente bem à alma.

Edu Dantas disse...

faço deste post minhas palavras, tradução de meus sentimentos
http://luzparaseudia.blogspot.com

Anônimo disse...

Nao sou psicólogo,mas com o pouco que conheco de psicologia descrevo o autor do texto como um homem, desnutrido mentalmente, um fracassado que joga a culpa em um Deus que existe sim, joga sua incapacacidade de ser bem sucedido ou feliz na religiao.

Um texto bem elaborado, que no minímo tardou suas duas semanas para escreve-lo buscando palavras e argumentos bonitos.

Uma pena. Considero um Lixo de pensamento.

André L. disse...

Aha! Gostei da piada! Por que foi piada não é? Tanto que ele descreveu a autora (mulher) como um "homem desnutrido mentalmente".

Adriana Neumann disse...

Eu poderia ter escrito cada palavra. Parabéns!

AnaCris disse...

Isaías, Reinaldo, Chicco e Edson,
obrigada pelos comentários ao meu texto. Na verdade eu não disse nada de mais, nada que a caminhada cristã não nos mostre naturalmente por meio do Espírito Santo, não é? Ainda bem que Deus não desiste de nós e vai nos mostrando na vida e em Sua Palavra que não somos o Centro do Universo e que Ele não existe para nos servir. :o)

André, fico feliz por ter conseguido penetrar em sua alma cansada de igrejas e igrejices. Entretanto, gostaria de conversar com você sobre algo que você disse: "Não fui à igreja, porque não tem me acrescentado nada". Não quero que seja uma conversa panfletária em que eu o convenço a ir sempre a igreja. Não. Eu mesma estou num processo e ressignificar minha vida em uma comunidade cristã. Vamos trocar idéias? :o)

Rafael Eduardo,
Eu sou mulher e bastante feminina. Só não tenho como responder muito bem seu comentário porque não entendi nada daquelas ofensas nem dos seus motivos. Só uma dica: críticas construtivas edificam. Críticas agressivas não atingem seu objetivo de jeito nenhum e ainda correm o risco de se transformarem em boas piadas.

E Pavarini, obrigada pelo espaço cedido em seu blog.

Bom dia e boa semana!
:o)
Ana Cris

Abimael Alves. disse...

Parabéns pelo texto, mesmo aparentemente expresando melancolia,ou frustrações, a realidade é que com tantas mensagens de auto-ajuda e teofãnicas, fica dificil de aceitar uma mensagem onde para que se possa entender tenha que usar a razão e adoçá-la com o coração.
Disse Paulo: Desejo de você um culto racional...

Abraços.

Anônimo disse...

Antes de tudo, pedir minhas sinceras desculpas. Por,expressar-me de uma maneira nao compreensiva ou transmitir alguma ofensa nao necessária.

Desculpe-me pelo lapso de pensar que era um homem, fiquei surpreso com tamanha bobagem, que nem quiz ver que a orientacao.

Pelos seu texto, pela suas palavras penso eu que, teve problemas serios com o sistema, com a doutrina com as ideias..

Enfim.... nao quero dizer nada porque pensará que estou sendo grosseiro, duro e direto sim. Mal educado NAO.

Anônimo disse...

O que entendi do seu texto é que precisamos ser humildes para rever nossas idéias, nossas atitudes (que são reflexo dos nossos pensamentos e sentimentos) e lutar, colocar em prática. Só assim Deus estará realmente ao nosso lado, porque estaremos buscando ele sendo justos conosco e com as outras pessoas.
Aprendi na vida e estudando, que quando uma pessoa reage agressivamente a uma idéia é porque se sente ameaçada, sente medo. É um processo inconsciente onde a pessoa por razões de experiências vividas, tem medo de perceber que está errada, achando que tudo que viveu perderá o sentido. Esta idéia é errada. Tudo que vivemos pode e deve ser um ensinamento para melhorar e buscar cada vez mais proximidade com Deus, que não desmerece ninguém e a todos trata com respeito. Até seus inimigos. Ser produtivo é estar ao lado de Deus.

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