"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”
Fernando Pessoa
Gosto do outono. Não só porque depois de um tempo virá a primavera exibindo suas belas flores e perfumando o ambiente, mas porque, no outono, as árvores ficam recobertas com aquela inigualável folhagem colorida. São tantas cores! Amarelas, verdes, roxas, vermelhas... Em breve, as folhas se despedirão de seus galhos e adormecerão sobre o chão, formando um imenso e magnífico tapete multicores. A visão da árvore fica ainda mais sublime. Ela se doa para que possa ser. Ela se perde para se encontrar...
A árvore, agora nua, não está morta, como sua aparência deixaria supor. A vida que ali dentro habita deu uma momentânea e proposital adormecida para sua própria preservação. Há mudanças necessárias ocorrendo dentro de seu ventre, e quem a olhar de fora não perceberá. O essencial é invisível aos olhos...
Outono é período de transição. Gosto do outono porque constantemente me sinto assim. Sempre em período de mudança. Minhas folhagens estão constantemente caindo para dar lugar à novas. Ideias, conceitos, preconceitos... Aprimoramento. Aprendizado. Crescimento. Por isso costumo dizer que sou alguém em permanente construção. Nunca sinto que estou pronta. Sou uma obra inacabada. Os outonos na minha vida são constantes.
Há quem não veja mudanças com bons olhos. Encaram isso como coisa de gente superficial, volúvel. Não acho a mudança ruim em si. Desde que se saiba preservar a sua essência. Mudar só por mudar não. Isso sim é frívolo. A árvore nunca deixará de ser árvore por renovar suas folhas. Ela simplesmente jogou fora aquilo que já estava velho e desgastado, e que impedia que ela continuasse a ser o que é: uma árvore. As folhas podiam parecer muito bonitas e coloridas, mas era necessário deixá-las caírem.
Tem gente que não consegue se despir de velhas ideias ou velhos hábitos. Estagnam. Se agarram tanto a velhas crenças que não percebem que sua folhagem há muito murchou e está impedindo a seiva de chegar ao seu destino final. Com isso, impedem uma necessária renovação de suas folhas. Não para se adequarem a quem ou o que quer que seja, mas por uma simples questão de sobrevivência, de continuidade, de permanência.
Outono também me faz lembrar que existe inverno. Mas também me faz lembrar que existe primavera. Não há primaveras sem invernos e não há como degustar com verdadeiro prazer o sabor da alegria quando nunca se provou o amargor do sofrimento. Dizendo isso não estou levantando a bandeira da dor, mas convenhamos, o sofrimento faz parte da vida. Isso não se pode negar. E quando ele vier (e ele sempre virá), viva-o da melhor maneira que puder. Tire dele alguma lição e largue-o. Nunca se prenda a ele. O inverno é frio, é inóspito, é congelante, mas passa. E como é gostoso desfrutar do aroma e da beleza de uma flor após um longo e rigoroso inverno. Parece que ela ganhou ainda mais vida. Parece que sua beleza ficou ainda mais exuberante.
Mas o outono, para mim, vai além de uma simples ideia de renovação ou esperança. O outono sinaliza que ainda há vida, mesmo que a árvore pareça morta. E onde existe vida sempre pode haver um recomeço.
Cristina Danuta, no blog Pensamentos de uma mente inquieta.
Um comentário:
Lindo.Parabêns Pava por postar
esse texto.
Existem viagens que só nós poderemos
fazer...as ilusórias e as reais...
Existem bagagem que só aprendemos
no caminho,a adquirir,à deixar de lado ou a tomar posse.
Postar um comentário